31 DE DEZEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL
Historiador, professor da Unicamp, autor de, entre outros, "Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia".
No RH do céu, um anjo entrevista o ano de 2023. Há uma vaga para o Ano-Novo.
"Preencheu todos os dados? Vamos conversar um pouco. Você não tem experiência, mas o Ano-Novo nunca tem. Você vem em paz? Não gosto de fazer fofoca, mas 2020, 2021 e 2022 foram complicados. O triênio foi uma provação cármica para as pessoas lá da Terra. A pandemia chegou, dominou e insistiu em ficar, ainda que não ocupe todo o sofá da sala agora. Ainda está lá com os pés sujos e o jeito folgado. Guerras? Nunca cessaram na Síria ou Iêmen. Expandiram-se para a Ucrânia. Política? Polarizada, cheia de fígado, atrapalhada e violenta. A Amazônia? A fumaça enche tudo aqui em cima. Nem vou falar! Três anos de retrocesso em quase todos os campos. E, agora, um novo ano...
Os anos passados foram difíceis para o mundo e complicadíssimos para o Brasil. Assim, precisamos fazer uma entrevista mais demorada. Suas intenções são boas mesmo? Você chega com muitas expectativas mais por causa do fim de 2022 do que pelas suas promessas de novidade.
Olha, o Chefe está meio irritado, sabe? Já disse que as pessoas não podem ficar tão mal que não tenham mais medo do Inferno (nossa concorrência). Se o mundo continuar assim, ninguém mais vai diferenciar estar vivo de estar condenado após a morte. Ele já disse que devemos selecionar um ano melhor para agregar valor à nossa marca. Hoje, está mais fácil defender a marca do concorrente do que a nossa.
Vou lhe dizer uma coisa entre nós: nosso protótipo para o mercado, Adão, tinha a cláusula do livre-arbítrio. Ele pisou na bola e quebrou o código de conduta. O filho Caim? Nunca incorporou nosso "mindset de crescimento". No dilúvio, tivemos de zerar a produção e dar um reset em tudo. O Chefe disse que iria mandar o próprio Filho para a unidade Terra e... fez isso. Foi um empreendimento desafiador. Ele voltou para a matriz com algumas marcas dolorosas daqueles anos.
2023, preste atenção: vamos lhe dar quatro metas! Você deve ser capaz de ampliá-las: terminar com a pandemia e não inventar uma nova; salvar a Amazônia; eliminar a fome; fazer com que as pessoas discordem, sem querer matar o debatedor. Se você conseguir 75% das metas, terá um bônus especial. Se atingir todas, o Chefe promete um cargo permanente aqui no setor Memória de Ano-Bom. Caso não queira, como estratégia, vamos pular já para 2024. Reflita. Falta pouco para o cargo ficar vago. Leve esta camiseta, brinde da nossa empresa. Nela, a palavra esperança. Interessa a você?"
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