sábado, 10 de dezembro de 2022


10 DE DEZEMBRO DE 2022
LEANDRO KARNAL

Querida leitora e estimado leitor: sabem algo do rio Rubicão? Conhecer esse rio separa jovens de mais experientes. No mundo antigo, o pequeno curso dágua apartava a província da Gália da área direita da província de Roma. Por segurança, o Senado proibia que os comandantes trouxessem tropas para a criação da Cidade Eterna. Assim, o rio Rubicão era o limite legal para um general. Cruzá-lo era um tabu jurídico.

Em janeiro do ano de 49 a.C., Júlio César cruzou o rio com suas tropas. Há registro do historiador Suetônio. César meditou longamente e tomou a decisão, dizendo a frase famosa: alea jacta est ("a sorte está lançada"). Há outra versão para a frase em Plutarco: "Que comece o jogo".

Nos dois casos, passamos a usar a metáfora do ponto que não permite retrocesso, da etapa que muda tudo, da decisão que altera o curso da nossa história. O casamento? Um filho? Um investimento alto e arriscado? Rubicões pela vida. Cruze o rio e nunca mais você será a mesma pessoa (uma mudança absoluta e, quase sempre, irreversível).

É possível que o nome derivasse de uma cor avermelhada, algo como um rubi; daí, Rubicão. Vermelho símbolo da vida e do derramamento de sangue, da morte, igualmente. O rio está entre a ousadia e a imprudência. Não cruzá-lo é sempre seguro; assim é esperado pela lei e pela ordem. Atravessar o pequeno rio é uma decisão de consequências imprevisíveis.

A decisão de César levou a uma guerra civil e, em algum sentido, ao poder absoluto do general famoso.

Decisões são consideradas sábias no passado quando o futuro concede boa sorte a seus efeitos. Ordenar que a décima terceira legião (Legio XIII) cruzasse o rio foi um ponto muito importante para a trilha de poder do ambicioso Júlio César. No entanto, como ele foi assassinado cinco anos depois, alguém poderia dizer que (sim!) foi uma conquista acertada que o levou ao poder supremo e... custou sua vida em 44 a.C.

Tudo contém o seu contrário. O sucesso pode trazer até a morte, como pensariam César e o presidente A. Lincoln.

Poderosos ouvem conselhos, mas tomam decisões nem sempre de acordo com eles. Há uma tradição na narrativa: criar um reforço fora do mundo físico. Júlio César teria tido visão sobrenatural às margens do rio famoso. Constantino espantou-se com uma cruz no céu, anunciando sua vitória, caso ele usasse aquele símbolo. Quase sempre, as narrativas das visões são posteriores e indicam um argumento metafísico a decisões bem mundanas.

Nosso mundo de empreendedores estimula a cruzar todo rio. Se você não cruzar, é fraqueza sua, pois "a sorte favorece audazes". As velhas lições do mundo clássico viram conselhos para ousadia e determinação. César levava com seu exército gente profissional de adivinhação (áugure) que observava o voo dos pássaros, entranhas de animais e até a maneira de seguir um padrão de alimentação dos gansos. Via as estrelas, meteoros, manchas nas águas e... Diziam o que o governante queria. César não era original. Ao longo de toda a história, sempre houve líderes que buscavam sinais nos céus para saber sobre o futuro.

Vejamos: você tem de tomar uma decisão a partir de uma dúvida. Peguemos uma simples: fazer pós-graduação em qual área? Comece a avaliação pessoal a partir do que você sabe (que nunca é tudo). Depois, conselhos de quem trilha caminhos similares ou que possui êxito que valide a opinião. Sartre sempre dizia que escolhemos a resposta ao indicar quem nos dará o conselho. Você tem argumentos sólidos para tomar a decisão X. Porém, não existe sabedoria que possa incluir o imponderável chamado futuro. O limite da informação confiável é a conjuntura que a gerou.

A pandemia, por exemplo, mudou quase todos os dados do mundo dos negócios. Decisões sábias, em dezembro de 2019, viraram caminhos idiotas em 2022.

O general Sun Tzu advertia sobre a realidade mutante da água que nos cerca. A verdadeira arte da guerra não é tomar uma decisão, todavia ser capaz de ir adaptando (e até retrocedendo) sempre em função daquilo que se encontra.

César tinha alguns dados na margem do Rubicão. A política romana foi colocada de ponta-cabeça depois. O general romano foi ousado ao cruzar o rio, porém teve de continuar ousando (e negociando) até as calendas de março de 44 a.C. Tomou boas decisões e venceu seus inimigos. Fez excelentes alianças e cultivou amizades estratégicas. No entanto, confiou demais em algumas pessoas, como Brutus. O braço dos estrategistas pode ser forte; o coração raramente é tão bem guardado quanto o cérebro.

Não existe segurança absoluta. Há uma tradição histórica: César foi assassinado, Lincoln foi assassinado e Napoleão perdeu em Waterloo. Curiosamente, a memória coletiva indica os três como grandes estrategistas. Assim, sempre há risco em cruzar ou não o Rubicão.

Só existe algo forte: perdoamos quem cruza e falha; somos duros com aqueles que montam barraca na margem e passam toda a existência avaliando. Os excessivamente prudentes morrem de velhice e esquecidos. Os ousados lidam com a chance de um fracasso maior. A memória costuma perdoar um equívoco, mas raramente defende quem decidiu viver de forma opaca e sem esperança. Qual o Rubicão na sua vida?

LEANDRO KARNAL

Nenhum comentário: