O verão de Sophie
O que se esconde sobre sorrisos forçados e gestos aparentemente comandados pela ternura? O que está oculto por manifestações de uma alegria traduzida em gestos bruscos? O que a busca de movimentos harmônicos procura tornar invisível? Certamente é aquilo que um choro convulsivo expressa, mas não é explicado pelo filme Aftersun, primeiro longa-metragem de Charlotte Wells. Mesmo que a causa de tal sofrimento não seja clarificada e devidamente estudada pela cineasta, seu filme tem méritos indiscutíveis, mas também é prejudicado por aquela tendência de certo cinema contemporâneo, que parece confundir a busca de inovações criativas com a procura de certa obscuridade permitida pela montagem formada de planos curtos, quase impossíveis de ser acompanhados.
Porém não é sempre que tal artifício é utilizado, pois na maior parte do tempo há uma saudável preocupação de conferir a cada plano tempo necessário a leitura esclarecedora. O filme, sem dúvida, merece ser visto como mais uma tentativa de fazer do cinema uma forma de expor as raízes de comportamentos e as causas de um sofrimento quase sempre escondido pela ditadura das convenções. A realidade termina vencendo durante o tempo de projeção de um filme que seria certamente mais relevante se não abrisse espaço para virtuosismos que, aparentemente inovadores, apenas reforçam a tentação de parecer moderno.
Os sinais presentes no cenário e a utilização de vídeos domésticos indicam que a ação transcorre em décadas passadas, um tempo preservado não apenas na memória, já que está presente, também, nas imagens de outra época registradas. Eis um bom motivo para ser colocado em cena a interferência do passado no presente, que é apenas sugerido, pois são tênues e pouco esclarecedoras as situações do presente.
A ênfase é dada ao passado, durante umas férias de verão da menina Sophie e seu pai. Aparentemente nada de maior acontece durante a ação, a não ser aqueles momentos, alguns talvez imaginários, que poderiam ser encenados de forma a fazer parte do aprendizado da menina. Ocorre, porém, que certos momentos são privilégios do espectador e não da filha.
Aquilo que parece uma tentativa de suicídio - e a partitura que acompanha as imagens sugere e reforça tal interpretação -, talvez uma lembrança de uma cena de Nasce uma estrela, versão de George Cukor, e igualmente a cena do choro (em ambas, a figura do pai vista de costas), não fazem parte do conhecimento de Sophie. O pai que se recusa a voltar para a cidade em que nasceu é um personagem que merecia mais atenção, pois seu sofrimento, seu isolamento e sua solidão são sugeridos e nunca merecedores de um tratamento mais profundo.
Após o sol de verão, resta a frieza de um aeroporto. Ao encerrar seu filme com o plano do pai se afastando, Wells visualmente fala da solidão e também realça a ideia de que, na verdade, o filme procura abordar também o mesmo sentimento na menina. Antes, na definitiva cena do karaokê, o ritual de gentilezas paternas é substituído pela irritação e até mesmo agressão, evidente na pergunta sobre o interesse em aulas de canto.
Com seus acertos e alguns virtuosismos desnecessários, Aftersun é um filme que coloca em cena uma série de situações que procuram substituir o desconforto de quem se sente só e abandonado. Eis um ensaio sobre a solidão sem que as causas de tal sentimento de abandono sejam abordadas. Mas certamente quem se interessa pelo estudo do comportamento humano terá o que ver no trabalho de Wells.
Além disso, a presença da menina Frankie Corio é algo a ser mencionado, pois sua sensibilidade é um apoio muito importante para as intenções da diretora em recriar o cotidiano de pai e filha, com a menina aos poucos descobrindo segredos e sentindo em atitudes verdades que as encenações permitidas pelas convenções e orientadas pelo desejo de esconder feridas costumam ocultar. Isso sem esquecer o ator Paul Mescal, que, ao lado de uma menina estreante em cinema, participa de um dueto tão notável quanto incomum.
Helio Nascimento.
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