sábado, 17 de dezembro de 2022


O PATRIOTÁRIO

O Patriota é título da obra publicada em 1774 pelo crítico literário inglês Samuel Johnson (1709-1784), quando quis diferenciar as pessoas que têm por sua pátria amor generoso e verdadeiro daqueles que usam a palavra patriota para camuflar interesses pessoais, com falso amor à liberdade. Em um jantar com amigos, em 7 de abril de 1775, Johnson proclamou a frase definitiva: patriotism is the last refuge of a scoundrel, ou seja: "o patriotismo é o último refúgio de um canalha"; ele tinha em mente os hipócritas que fingem defender a pátria quando de fato a degradam com suas ações. É antigo o fenômeno que ora se agrava no Brasil.

Ous, com plural óta, em grego, é orelha; há uma etimologia que vê a origem da palavra otário no lunfardo, dialeto portenho, e associa o termo a leões e lobos marinhos, mamíferos da família das otarridae, que se diferenciam das focas (phocidae) por possuírem pequenas orelhas. Esses animais, ditos otária, se deixavam abater facilmente na costa argentina. Atualmente, todos sabem que otário é quem se deixa enganar facilmente, trouxa, pacóvio ou babaca.

Chegamos então à precisa palavra patriotário, título da música lançada em 13 de novembro por Juliano Maderada, mesmo autor do sucesso "Tá na hora do Jair já ir embora", melhor hino da demissão do genocida. O neologismo, todavia, apareceu por vez primeira no poema Seu Metaléxico, do grande poeta e tradutor José Paulo Paes (1926-1998), no livro Meia Palavra (1973): "economiopia / desenvolvimentir / utopiada / consumidoidos / patriotários / suicidadãos". 

A palavra é também relacionada ao termo manifestoche, alegoria perfeita criada pela Acadêmicos de Tuiuti, no Carnaval de 2018, para representar o bando de otários que foram às ruas usurpando as cores pátrias, achando-se heróis patriotas contra a corrupção, quando eram de fato os inocentes úteis de um golpe de Estado, raiz do drama político dos últimos anos, que ora começamos a desmontar. Patriotários são crentes, conservadores, ignorantes e obtusos; são tipos lombrosianos, sem pudor de exibir sua condição patética em público.

Todavia, como pensava Johnson, há bom patriota, mesmo que hoje esteja constrangido; é quem estuda a história da sua pátria e tenta compreendê-la sem ser manipulado por ignorantes ou oportunistas malévolos. Com metas nobres, bons patriotas querem seguir o artigo terceiro da Constituição Federal (objetivos fundamentais da República), e: I. Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II. Garantir o desenvolvimento nacional; III. 

Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV. Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Isso é tudo o que os patriotários abominam, quando vestem-se de caturritas ou trajes militares e vão às ruas fazer idiotices que ora ampliam nossa vergonha internacional e interplanetária.

Entre os patriotários há também terroristas que agem insuflados e protegidos por autoridades atuais, do governo e das polícias. Mas já vão embora, e os patriotas reais ora voltam à cena, em festa.

FRANCISCO MARSHALL

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