sábado, 10 de dezembro de 2022


10 DE DEZEMBRO DE 2022
BRUNA LOMBARDI

GASLIGHT

Você já teve uma relação abusiva? Já se sentiu oprimida de alguma forma sem saber o que fazer? E mesmo assim se deixou ficar por alguma razão que nem sabe explicar?

Culpa, temor, pena, esperança, falta de confiança, a sensação de que sozinha você não seria capaz, de que sozinha você não se sustenta. Ficou pelos filhos, acreditando que ia melhorar, que eles precisam de família e assim por diante, tantos pensamentos e sentimentos que foram te paralisando e impedindo de tomar uma decisão.

A mente cria desculpas porque o medo é o nosso maior inimigo. O medo mina a alma, a vida, a possibilidade de ser feliz. E todo mundo merece ser feliz.

Se antes de apertar a mão de um homem, fosse possível prever se um dia essa mão poderia se erguer contra você. Se aquela paixão não fosse condescendente, não deixasse de enxergar os sinais, não negasse cada vez as mais claras evidências?

Se as mulheres pudessem escutar sua voz interior e não estivessem tão preocupadas com as mazelas do cotidiano, tão ocupadas em resolver os pequenos perrengues da vida, tão cansadas com a quantidade de tarefas diárias, exaustas demais até mesmo para sofrer. Será que isso mudaria?

Será que essa falsa ideia de ser submissa, obediente, de sofrer calada, de ser constantemente desvalorizada em seu trabalho e nem se sentir segura pra dar sua opinião, poderia sumir da nossa sociedade?

Quando a gente vê as estatísticas se surpreende que esse estado de coisas não é uma exceção. Que está presente em todas as camadas sociais, em muito mais casas do que a gente imagina. Na verdade, o machismo predomina na maioria do mundo. Estamos no século 21, conquistamos tantas coisas inimagináveis em outras épocas, e, ainda assim, tantas de nós ainda estão caladas dentro de uma situação inadmissível.

Tempos atrás conheci uma garota linda, jovem, classe média, que trabalhava como modelo, ganhava seu dinheiro e de repente parou tudo. Casou. Parecia feliz para os amigos e para a família, uma história romântica e perfeita. Teve a primeiro filha e sumiu.

Aparentemente, continuava dizendo para todos que tudo estava bem, que o casamento era ótimo e nada indicava o contrário. Só que ela escondia os hematomas. Escondia de todos sua dor, sua vergonha, o absurdo que estava vivendo. A manipulação dele era tamanha que ela foi enfraquecendo cada vez mais. Não reagia. Acreditava que ele fazia isso por amor, que cada vez se mostrava arrependido e demonstrava a culpa que ela tinha que o fazia agir assim.

Às vezes era acordada no meio da noite com violência física e psicológica, não gritava por medo de acordar a menina e se submetia aos maus tratos, ao sexo, a ir para a cozinha preparar comida e lavar o chão no meio da madrugada.

Não contava nada disso pra ninguém, e o mais inacreditável: achava que ele tinha razão. Quando a conheci, tinha conseguido o milagre de cair fora e trabalhava em uma associação de ajuda a mulheres em situações abusivas. O caso dela é extremo, mas existem muitos graus de violência que impedem a mulher até de se conscientizar do que está acontecendo com ela.

E esse é de fato o principal problema, a conscientização. Seja de violência física ou verbal, seja óbvio ou sutil, o problema existe nas mais diversas esferas. Existe em todas as classes e em todos os lugares, ganhou até um nome nos EUA: "gaslight". Está em livros, filmes e tem até uma série com esse nome. E é uma história verídica que acontece na elite política americana.

Se alguém se identificar, está na hora de criar coragem e dizer: relação abusiva nunca mais! Recuperar o amor próprio, parar com reticências e colocar um ponto final.

BRUNA LOMBARDI

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