A primeira noite de um homem
Homem sofre ao dormir na casa da mulher que acabou de conhecer. Não é um momento glorioso do nosso gênero, da nossa condição. Trata-se de um laboratório de coragem e desapego.
Ao acordar de ressaca, sonhando com uma aspirina, você não sabe se existe cachorro bravo solto por ali, caturrita voando, gato possessivo ou mesmo alguém de pé. Não tem ideia se a pessoa mora sozinha ou com a família. Não pode sair do quarto com uma tanga de Tarzan e correr o risco de se deparar com o pai desprevenido comendo torradas com geleia no café da manhã. Para o futuro sogro, talvez seja um desjejum impactante.
São grandes as chances de pisar em ovos mexidos alheios, adentrando-se num território nebuloso, enigmático, perigoso, soberbo, de casualidades nada agradáveis.
Não houve aquele tempo demorado de conversa, aquela intimidade de confissões para desfrutar de informações privilegiadas sobre onde se encontra e com quem. É o início da relação, marcado pela atração, pela química, pela pele.
Não pretende despertar e incomodar a sua paquera. Pulará da cama dando échappé de um bailarino, sem chamar atenção, sem fazer barulho. Rezará para que a chave esteja na porta e para não ser torturado pelo embaraço de adivinhar a senha de segurança na saída da portaria.
Não tem noção sequer de onde é o banheiro. Precisa recolher suas roupas no chão e vesti-las amassadas para ir ao trabalho. Sofrerá para encontrar as meias - uma sempre está visível e a outra num lugar absurdo.
Será obrigado a usar, inclusive, a mesma cueca da noite anterior. É um rei que virou abóbora indigente depois da meia-noite. Como homem não tem bolsa, não dispõe nem de sua escova de dente consigo. Não contará com nenhum item de primeira necessidade à mão.
Na minha primeira noite no apartamento de minha esposa, quando estávamos começando a namorar, não conhecia nada do espaço dela. Na hora do banho, suei frio com dilemas domésticos: profanar ou não a única toalha no cabideiro? Ou secar-me com a toalha de rosto? O que seria menos pior?
Para corrigir os fios nervosos da barba no pescoço, não ficaria chato empregar a sua gilete rosa? Só havia desodorante de rolo. O que depilaria o meu sovaco à força. Não encontrava nada que satisfizesse a minha higiene no seu armarinho sem produzir um choque cultural.
No box, dezenas de xampus me deixavam tonto. Cabia-me escolher algum mais neutro, menos floral. Depois de cheirar todos, optei por uma fragrância mais simples, mais masculina. Enchi a minha barba com ela, passei pelo meu peito, forcei a espuma. No fim, gostei do resultado. Até fui ver o nome no rótulo do produto para comprar um para mim: era sabonete íntimo.
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