CORREÇÃO DE EXCESSOS
Com a PEC da Transição protocolada no Senado e a chegada do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a Brasília para liderar as articulações políticas, está em curso a fase mais decisiva em torno das tratativas que vão moldar a redação a ser submetida ao voto dos parlamentares. Até aqui, o futuro governo cedeu especialmente no prazo.
A intenção inicial era deixar indefinidamente o Bolsa Família fora dos limites impostos pelo teto de gastos, mas o texto que chegou para a primeira análise dos senadores prevê quatro anos de excepcionalidade. É típico da arte de negociar partir do que seria o ideal para as partes nos lados opostos do balcão até se chegar a um consenso.
O mesmo vale para o montante previsto de gastos extrateto. O governo que vai assumir em janeiro pede uma licença de R$ 198 bilhões, mas todas as sinalizações apontam para um valor final abaixo, talvez da ordem de R$ 150 bilhões. Sequer o prazo deve permanecer em quatro anos e possivelmente diminua para dois.
É dever do Congresso corrigir os exageros da PEC da Transição para se alcançar um acordo responsável que assegure o benefício prometido por Lula - e também por Jair Bolsonaro - no valor de R$ 600, além dos R$ 150 a mais por criança de até seis anos, outro compromisso do petista. Ao longo das tratativas, no entanto, também deve ficar claro como e onde a nova gestão pretende fazer os demais gastos a partir do espaço aberto, assegurando ao máximo possível que não será assinado um cheque em branco para a próxima gestão.
Não se põem em dúvida as urgências sociais do país, mas da mesma forma seria imprudente flertar com a irresponsabilidade fiscal. Uma sinalização de torneiras abertas para a gastança certamente impactaria indicadores financeiros que nada têm de abstrato: afetam a vida real, o dia a dia dos cidadãos, o ritmo da economia e o apetite para os investimentos produtivos. É preciso evitar, da mesma forma, que a barganha implique a criação de novos jabutis, como são chamadas demandas de grupos de interesse, parlamentares ou não, que acabam penduradas em textos em avaliação no Congresso. Geralmente não têm relação com o tema principal e significam mais gastos.
Os últimos dias também têm sido um banho de realidade em relação a como expectativas de campanha muitas vezes colidem com o pragmatismo. Antes da eleição, Lula chegou a chamar de "imperador" o presidente da Câmara, Arthur Lira, classificar o orçamento secreto de "excrescência" e prometer que acabaria com o mecanismo que concentra poder no Congresso. O fato, no entanto, é que o petista precisa de Lira para aprovar a PEC e para a governabilidade.
Ontem, os dois voltaram a se encontrar. O deputado, aliado de Jair Bolsonaro e adversário do PT, recebeu da sigla e de outras agremiações de esquerda o compromisso de apoio à sua candidatura à reeleição no comando da Casa. Não se ouviu mais falar em fim das emendas de relator, apesar de continuarem sendo uma distorção que mereceria ser enterrada. É a realpolitik em ação em Brasília.
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