11 DE JUNHO DE 2020
SÉRIES
O universo adolescente mundo afora
Produções de diferentes países buscam adicionar diversidade nos registros de dilemas comuns da juventude globalizada.
A vida entre casa e escola, uma protagonista deslocada, a descoberta do sexo, bullying, transgressão contra os pais, festas ensurdecedoras e o primeiro contato com drogas. Que série é essa, né? Pois é, não dá para saber. Só na Netflix estrearam quatro produções que abordam vários desses itens a um sucesso atemporal: os dramas adolescentes.
A americana Eu Nunca..., a turca Love 101, a sul-africana Sangue e Água e a mexicana Control Z vêm se somar a sucessos da plataforma, como a britânica Sex Education e a espanhola Elite, só para lembrar algumas. Todas essas séries são marcadas por uma visão uniformizada da experiência adolescente, em uma linguagem própria que está se consolidando a partir da fórmula consagrada por seriados e filmes americanos desde os anos 1980. Talvez salte aos olhos as nacionalidades diferentes desses seriados, e não é por acaso. É uma ilustração da estratégia da Netflix de investir pesado na produção de conteúdo para o nicho adolescente.
- Uma razão da popularidade desse tipo de série talvez seja a universalidade inerente aos temas que exploram, não importa sua idade - afirma Brian Wright, vice-presidente de séries originais para jovens e família da empresa. - Isso, e a percepção de que jovens adultos viraram um fenômeno no mercado editorial e no cinema, mas nem tanto na TV, foi o que nos inspirou a desenvolver conteúdo para esse público. Nossos assinantes querem ver um reflexo de suas vidas na tela, e nós queremos que nosso conteúdo seja tão diverso quanto eles.
Juliana Gutmann, professora da pós-graduação em comunicação e cultura da Universidade Federal da Bahia, aponta que esse boom de séries adolescentes guarda ligação direta com a história da plataforma de streaming. Quando a Netflix deixa de ser um mero veículo de distribuição e passa a produzir séries - o marco foi House of Cards, em 2013 -, começa buscando um público que já consome esse tipo de produto, o que quer dizer adultos que migraram para lá da TV aberta ou por assinatura. Com o passar dos anos, o interesse da empresa foi se voltando ao seu público nativo, ou seja, a geração que nunca foi fiel à televisão e consome audiovisual pela internet desde sempre.
- Meu filho, por exemplo, não via programas da TV aberta e passou muito rápido pelo consumo de DVD. Foi fisgado com uns sete anos pela Netflix - diz Juliana. - Esse público hoje tem de 13 a 16 anos.
Prova da coerência da narrativa é que uma das primeiras apostas nesse filão foi Stranger Things, que tanto falava com pré-adolescentes quanto acendia a nostalgia do público mais velho, saudoso da estética dos anos 1980. Hoje, o menu é muito maior e se capilariza por diversos países. É importante entender que a empresa tem o hábito de contratar produtores locais para realizar suas séries e filmes, oferecendo distribuição global simultânea em nível impensável uma década atrás. É o que possibilita a brasileiros, japoneses e australianos terem acesso a histórias produzidas na África do Sul e no México.
- O que muitos países estão fazendo é desenvolver estratégias para se adaptar ao que acreditam que o mundo quer assistir - diz Ariane Holzbach, professora do curso de estudos de mídia da Universidade Federal Fluminense. - Criam narrativas com temáticas mais universalizadas e adaptadas ao modo de fazer hegemônico dos Estados Unidos.
Ariane pondera que, nessa estratégia da Netflix de aumentar o conteúdo produzido em vários cantos do mundo, está embutido o fato de grandes estúdios americanos estarem limitando mais a disponibilização de suas séries e filmes, já que boa parte deles tentam criar seus próprios canais de streaming. Além disso, produções feitas em países asiáticos e latino-americanos são muito mais baratas.
Por essa lógica, é impreciso pensar na disseminação da cultura pop global como algo que se espraia só da matriz americana.
- A explosão de La Casa de Papel levou o espanhol à décima potência do pop, com músicas, memes, máscaras de Carnaval, e alavancou também o sucesso de Elite - argumenta Juliana Gutmann.
Agora, a mexicana Control Z vem se apoiando no hype de ser uma possível sucessora de Elite.
Espelho
Essas séries adolescentes todas se aproximam de uma mesma estética, mas são sempre deglutidas e redesenhadas numa roupagem própria. Seria quase impossível descobrir a nacionalidade de Control Z vendo sem áudio, mas basta ligar para ser invadido por um turbilhão de gírias muito próprias do México. Sangue e Água já tem marcas mais evidentes da cultura sul-africana, a começar porque se deleita nas paisagens da Cidade do Cabo e na trilha sonora local.
Eu Nunca..., que é produzida nos Estados Unidos com assinatura de Mindy Kaling, atriz formada em The Office e produtora em ascensão, tem muito de sua originalidade ancorada na ascendência indiana da protagonista. Ainda que conte a boa e velha história da menina nerd que busca as primeiras experiências românticas, a série encontra um paralelo divertido na história da prima bem-sucedida que é pressionada pela família a um casamento arranjado.
A incorporação da diversidade é importante, comenta Wright, da Netflix, porque muitos jovens buscam aprimorar o autoconhecimento nesse tipo de série. Segundo ele, pesquisa recente da empresa no Brasil mostrou que 57% dos jovens de 16 a 25 anos buscam nesses conteúdos conselhos quanto a situações que estão acontecendo em suas vidas. E 69% buscam personagens parecidos com eles mesmos e seus amigos.
Wright afirma ter em mente que brasileiros buscam mais conteúdo desse tipo, sublinhando que Modo Avião, longa-metragem teen com Larissa Manoela, se tornou o filme mais popular do serviço em uma língua que não é o inglês, com quase 28 milhões de visualizações.
A plataforma planeja mais um filme com a atriz para 2021 e ainda outro estrelado por Maisa. De seriado, planeja a segunda temporada de Sintonia, criada por KondZilla, que foi a terceira série nova mais vista no Brasil no ano passado.
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