25 DE JUNHO DE 2020
DAVID COIMBRA
A peste e a praga: chegamos ao fim
Primeiro foi a peste. Agora veio a praga. Coronavírus e nuvem de gafanhotos. É o Apocalipse de João que se confirma. "Ide, despejai sobre a Terra as sete taças do furor de Deus!", ordenou a voz poderosa que saiu do Santuário, e sete anjos surgiram do Céu com sete taças, derramando as pragas do senhor sobre os corpos dos homens e a face da Terra.
E os homens adoeceram e o mar apodreceu e as águas dos rios se transformaram em sangue e o sol queimou a pele dos vivos e o Eufrates secou, permitindo a invasão dos reis do Oriente, e, por fim, o sétimo anjo despejou sua taça no ar e uma voz forte saiu do templo do trono e anunciou:
"Está feito!" Ou seja: o Campeonato Gaúcho não voltará a ser disputado e os bares seguirão vazios por toda a Eternidade, o que é muito tempo para esperar para beber chopes cremosos.
Em resumo, o que quero dizer é que minha avó estava certa: ela sempre dizia que o fim do mundo se aproximava. Pois bem. Os indícios apontam que o Dia do Juízo chegou. Ou está chegando. Poluição dos rios, aquecimento global, coronavírus e, para arrematar, esse ataque dos gafanhotos. São as Sete Pragas do Apocalipse.
Você sabia que uma nuvem de poeira maior do que os territórios dos Estados Unidos e do Canadá JUNTOS levantou-se do Saara e se aproxima da América do Sul, perigosamente?
Mais um indício! Mais um terrível indício. Haveremos de prestar contas.
Então, se for verdade, se o mundo for mesmo acabar, não temos tempo a perder. Precisamos fazer as coisas que nos faltam. Eu, aqui, tenho muitas pendências. Não poderei conhecer as Ilhas Maldivas, está difícil viajar hoje em dia - poucos voos, hotéis fechados... Não poderei comer todos os 1.500 tipos de salsichas alemãs que existem.
Ler todos os clássicos que ainda não li, talvez? É um bom projeto, mas será que terei tempo? Ulisses, de Joyce, me aguarda, mas também me desanima. Tempos atrás, li uma centena de páginas de Ulisses e parei. Não gostei. Desisti. Mas, como o livro é tão incensado, resolvi que leria mais tarde. É agora ou nunca, portanto. Mas será que devo? Virginia Woolf não gostou de Ulisses. Achou-o "intragável". Mas eu também não gosto muito de Virginia Woolf. Pensando bem, não lerei nenhum dos dois. Danem-se!
Não vou desperdiçar meus dias com autores pretensiosos ou com quem não é autor, mas é pretensioso. Não quero saber de Bolsonaro e Lula, não me importa se os comunistas ou os fascistas pretendem tomar de golpe o governo do Brasil. Vou me dedicar aos meus afetos. Ah, se pudéssemos beber chopes cremosos... Quem sabe até darei mais atenção às amenidades da poesia. Seria algo inofensivo e bom, algo pacífico, algo sereno, como ensinou Torquato Neto:
"eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim."
DAVID COIMBRA
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