sábado, 20 de junho de 2020


20 DE JUNHO DE 2020
J.J. CAMARGO

AFETOS DESPERDIÇADOS

Nada nos machuca mais do que o amor reprimido. Ainda por estes dias disse a uma paciente que a tosse devia ser da sua bronquite em conflito com o inverno, que justo agora bateu à porta, quando já havia quem cogitasse que ele nos tivesse esquecido. E que me ligasse se sentisse alguma dificuldade respiratória, ou algum aperto no peito.

Ela ficou quieta um tempo, ajeitou a máscara e anunciou:

- Aperto no peito eu sinto desde o dia 12 de março, quando abracei meus netos e meu velho me levou para Gramado para uma quarentena, que ninguém podia prever quanto duraria. Desde então, a bombinha só me acelera o coração, mas o aperto nunca mais foi embora!

É possível que, ao final deste tempo maluco, descubramos coisas boas que herdamos da amargura. Mas por ora, o que percebemos é o que perdemos, e nada nos machuca mais do que o amor reprimido.

Um amigo querido, com dois filhos pequenos, organizou uma excursão generosa em que os filhotes seriam levados para serem vistos pelos avós que lamentavam a insuportável saudade deles. O encontro foi na frente da casa dos velhinhos, com a cerca metálica impondo a distância regulamentar e contendo a vontade desesperada de abraçar. Depois de uns 15 minutos de um falatório desorganizado que misturava promessas e declarações de amor, o ritual terminou com muitos beijos gesticulados.

No dia seguinte, ele ligou para a casa dos pais. Quando quis saber como estavam, a mãe confidenciou:

- Eu estou bem, meu filho, mas me preocupa teu pai. Desde que vocês foram embora, ontem, ele não parou mais de chorar. E quando lhe perguntei o que ele sentia, ele me disse: "Nenhuma dor. Eu choro de pura tristeza!".

As perdas afetivas, dolorosas em qualquer idade, são multiplicadas na velhice, quando a noção inevitável da proximidade do fim dos tempos elimina a resiliência. E deixa exposto o nervo do tempo perdido, numa fase da vida em que se pode aparentar serenidade, mas no fundo não se tolera desperdício de afeto. De nada serve argumentar que tudo passará e que, se Deus quiser, (e como saber se Ele, quererá?), poderemos compensar esta espera sofrida com abraços redobrados.

A pressa afetiva é uma marca da velhice sensível, e a promessa de resgate do tempo perdido não convence, não numa fase em que cada semestre conta. Porque afeto transferido é amor desperdiçado. Ficou doendo em mim a tristeza do choro daquele avô, que não precisei conhecer para me identificar com seu sofrimento. Com tão boa causa, choraríamos juntos.

J.J. CAMARGO

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