21 DE MARÇO DE 2020
DRAUZIO VARELLA
TRIAGEM NOS AEROPORTOS
Medir a temperatura na testa, com termômetros que parecem revólveres, é um método impreciso
A cena do termômetro apontado para a testa do passageiro que desembarca no aeroporto tem se repetido em vários países. Faz parte da triagem para identificar pessoas com febre, tosse e falta de ar, sintomas associados ao coronavírus causador da doença covid-19.
Países mais radicais proíbem a entrada ou colocam em quarentena cidadãos vindos de áreas com surtos da doença. Dennis Normile, na revista Science, diz que "triagens na entrada e saída podem parecer tranquilizadoras, mas a experiência com outras epidemias mostra que é extremamente raro detectarem passageiros infectados". Como exemplo, cita o caso de oito viajantes infectados na Itália que passaram incólumes pela fiscalização do aeroporto de Xangai. Cabe perguntar qual seria o impacto na epidemia chinesa, caso tivessem sido identificados no aeroporto.
Em entrevista para a Science, Ben Cowling, epidemiologista da Universidade de Hong Kong, considera que a triagem serve no máximo para atrasar por alguns dias a chegada do vírus num determinado país e mostrar que o governo faz o possível para proteger a população. Os que defendem a triagem na saída do país de origem consideram a medida necessária para impedir que pessoas doentes disseminem o vírus em outras regiões. Os defensores da triagem no aeroporto de destino consideram que é uma oportunidade para o viajante entrar em contato com o sistema de saúde, receber informações sobre a doença e orientações sobre o que deve ser feito em caso de surgir sintomas.
De qualquer forma, o número de diagnósticos feitos no aeroportos do mundo é insignificante. Os Estados Unidos, que obrigam a passar pela triagem em 11 aeroportos todos os cidadãos e residentes que estiveram na China nos últimos 14 dias, identificaram apenas um caso.
Medir a temperatura na testa, com termômetros que parecem revólveres, é um método impreciso, porque eles medem a temperatura da pele, eventualmente diversa daquela do resto do corpo. Além disso, o passageiro afebril pode estar sob efeito de antitérmicos ou no período assintomático de incubação que, no caso do atual coronavírus, pode chegar a duas semanas.
Outras epidemias mostraram como falham esses métodos de triagem. Durante o surto de Ebola, virose com período de incubação de dois dias a três semanas, nenhum caso foi diagnosticado em 16 meses entre os 300 mil passageiros que embarcaram nos aeroportos de Serra Leoa, Guiné e Libéria, países assolados pela doença. Dois viajantes desenvolveram sintomas quando já estavam no Exterior.
Japão e China organizaram programas rigorosos de triagem durante a epidemia de gripe H1N1, sem resultados. Na epidemia de Sars, causada por outro coronavírus, o Canadá investiu 5,7 milhões de dólares canadenses na triagem de passageiros que chegavam no país, sem conter a epidemia. Os australianos calcularam que cada caso detectado pela triagem na epidemia de H1N1, em 2009, custou 50 mil dólares canadenses para os cofres públicos.
DRAUZIO VARELLA
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