18 DE MARÇO DE 2020
DAVID COIMBRA
A febre da cabana
Nos duros invernos da Nova Inglaterra, quando as tempestades de neve obrigam as pessoas ao confinamento em suas casas e apartamentos, ocorre um fenômeno assustador. É a cabin fever. Na tradução literal, febre da cabana. Irritadas com o longo tempo que passam sem sair à rua, as pessoas sofrem uma espécie de ataque de claustrofobia, às vezes tornam-se paranoicas, quase sempre ficam agressivas, e quem mais padece são os que estão por perto, sob o mesmo teto, que parece, a cada dia, mais baixo.
Você pode achar que isso não passa de frescura de americanos, mas eles levam a cabin fever a sério. Para se ter ideia, durante os períodos mais severos de frio, a prefeitura de Boston oferece serviços gratuitos de psicólogos a fim de atenuar a aflição de quem está retido em casa.
Será que vamos chegar a tanto, devido às restrições impostas pelo combate ao coronavírus?
Talvez. Temos de nos preparar. Um dos três maiores filmes de terror de todos os tempos, O Iluminado, é sobre cabin fever. Os outros dois maiores, você já sabe, são O Exorcista e O Bebê de Rosemary.
O autor do romance no qual O Iluminado foi baseado, Stephen King, teve a inspiração para conceber a história quando estava hospedado justamente no hotel em que o protagonista, vivido por Jack Nicholson, enlouquece. É um enorme prédio situado nas montanhas do Colorado, que realmente fecha no inverno, como acontece no filme. King contou que se hospedou lá com a família pouco antes do fechamento. Assim, eles eram os únicos hóspedes, caminhavam sozinhos por aqueles corredores compridos e mórbidos e ouviam o silêncio dos dias gelados. Uma noite, King acordou sobressaltado por um sonho terrível: seu filho corria gritando de horror pelos corredores do hotel. Ele, então, sentou-se na cama e começou a pensar no enredo. Antes que o primeiro cigarro que acendeu terminasse, já tinha o esqueleto do romance completo em sua mente.
Nas montanhas nevadas dos Estados Unidos, há outros hotéis semelhantes a esse que inspirou Stephen King. Conheci um, chamado Mount Washington, em Bretton Woods, no Estado de New Hampshire. Esse Monte Washington, ao pé do qual fica o hotel, é considerado um dos lugares com pior tempo do mundo, devido ao frio intenso, à velocidade estonteante dos ventos e às bruscas mudanças de condições climáticas. Muitos incautos já morreram desafiando o Monte Washington.
O hotel, porém, é imponente, magnífico. Quando o vi pela primeira vez, soltei uma exclamação de espanto ante sua beleza. E me lembrei, de imediato, de O Iluminado. Lembrei também que foi ali, naquele hotel, que se deu a famosa Conferência de Bretton Woods, que reuniu representantes de todos os países aliados em 1944.
Era um momento de crise, a Segunda Guerra ainda atormentava o mundo, e era preciso união. Aquele acordo reorganizou o Ocidente e redesenhou o capitalismo.
Hoje, nesta que pode ser a maior crise planetária desde a Segunda Guerra, urge um novo Bretton Woods, novas ações coordenadas dos Estados, nova movimentação das lideranças. Para que esse filme de terror termine de uma vez, e que possamos todos voltar às ruas.
DAVID COIMBRA
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