23 DE MARÇO DE 2020
DAVID COIMBRA
Minha amiga Mariana
Talvez tenha sido ríspido demais. Talvez. Porque a primeira coisa que disse, quando a Marcinha chegou para o café da manhã, neste domingo, foi:
- A Mariana morreu. Falava da Mariana Kalil, minha queridíssima amiga, e o fiz com tamanha brusquidão porque também acabara de saber da notícia e estava bastante abalado. A Marcinha ficou perplexa por algum tempo, perguntou se tinha certeza, fez mais uma ou duas observações e pôs-se a chorar.
Então, percebi que fora de fato rude. Devia ter preparado mais a Marcinha para a notícia.
O curioso é que, de nós dois, o maior amigo da Mariana era eu. Éramos amigos de verdade, muito próximos. Conhecemo-nos em meio aos feéricos anos 90, na Zero Hora. Eu era editor de Esportes e a Mariana começou a trabalhar lá junto com outra Mariana, a Bertolucci, ambas como auxiliares do chargista Marco Aurélio, que era o chefe do departamento de arte do jornal. Saíamos sempre, todas as noites, eu, as duas Marianas e mais um bando de pândegos da Redação.
Era outra época. A cidade era menos violenta e nós éramos mais jovens. Assim, não raro as nossas noitadas se estendiam até aquela hora melancólica em que o sol vai se erguendo no horizonte, as pessoas "normais" saem de suas casas para ir trabalhar e os vampiros se escondem atrás das capas.
Depois, é claro, as coisas foram se transformando. A Mariana mudou-se para a Espanha, morou um tempo lá e voltou ao Brasil. Quando ela se casou com o Chiquinho, eu e a Marcinha já estávamos namorando, e fomos à cerimônia e à festa. Mas não foi aí que elas se tornaram amigas. Isso é interessante, porque essa amizade vicejou sem que elas se vissem pessoalmente. A Marcinha começou a seguir a Mariana nas redes sociais e se encantou com sua leveza, com suas histórias, com sua graça. Nós estávamos morando em Boston e todos os dias a Marcinha vinha com o celular para me mostrar um vídeo divertido da Mariana. O Chiquinho e uma amiga dela, a Alemoa, viraram personagens do nosso dia a dia.
Quando a Mariana ficou doente, passamos a nos falar mais amiúde, por meio de vídeo. E a Marcinha, muitas vezes, participava dessas conversas e elas planejavam encontros. Queríamos jantar todos juntos, em Porto Alegre.
Mas não deu tempo.
Ontem de manhã, fiquei sabendo que nossos encontros não aconteceriam, dei a notícia para a Marcinha e ela chorou. Naquele mesmo instante, recebi uma mensagem da diretora de Jornalismo Jornais e Rádios do Grupo RBS, Marta Gleich, perguntando se eu escreveria a respeito da Mariana. Quando disse que sim, a Marta respondeu que ficava contente, porque, como não poderíamos ir ao velório, em função da quarentena, homenagearíamos desta forma "a nossa doce Mariana".
Essa mensagem da Marta me deu a luz. Pensei: é isso. É exatamente isso. A Mariana era doce. Tão doce que não precisava estar perto para conquistar as outras pessoas.
DAVID COIMBRA
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