31 DE MARÇO DE 2020
CARLOS GERBASE
O que houve, Sra. Maisel?
A Maravilhosa Sra. Maisel, série de comédia da Amazon Prime, teve duas temporadas magníficas, em 2017 e 2018, sob qualquer ponto de vista. Personagens cativantes, trama ágil, muitas piadas boas, produção recriando com esmero cenários e figurinos do final dos anos 1950, abordagem de temas importantes, como o feminismo e a censura, e, acima de tudo, o compromisso de fazer rir com elegância. Havia, é inevitável, o uso das convenções do gênero, mas elas estavam sempre embaladas com frescor estético e narrativo.
Esta não é apenas a minha opinião. As duas temporadas receberam uma montanha de prêmios Emmy, o mais importante da TV norte-americana. Rachel Brosnahan, que vive a Sra. Maisel - uma dona de casa que resolve entrar para o mundo da comédia stand-up em Nova York -, parecia ser capaz de nos manter cativados para sempre, com seus vestidos incríveis e sua língua deliciosamente ferina, que falava de sexo com liberdade e ousadia.
Então veio a terceira temporada, de 2019. Foi apenas boa. E, há poucas semanas, foi lançada a de 2020. É um desastre. O primeiro e o segundo episódios não me arrancaram uma única risada. Estou com medo de ir para o terceiro. O que houve? É o mesmo elenco interpretando os mesmos personagens. São os mesmos produtores, quase os mesmos roteiristas e a produção ainda é espetacular. Mas a série não é mais engraçada.
O saudoso professor Aníbal Damasceno Ferreira, que estudava o humor na literatura e no cinema, tinha suas teorias a respeito. Talvez ele possa desvendar o mistério. O Aníbal dizia que, quando um texto é bom, deve ser adaptado com economia dramática, evitando exageros. Seu exemplo clássico eram as encenações de Nelson Rodrigues - um gênio de ululante comicidade -, tanto nas peças, quanto nos filmes. Quase invariavelmente, havia uma combinação de falas gritadas e gestos grandiloquentes, que sufocavam qualquer traço de humor e verossimilhança.
É o que está acontecendo com a série. Todos estão se esforçando ao máximo para serem engraçados. E exageram. Seus gestos, suas caras e bocas - e até seus figurinos! - perderam a leveza e a elegância. O que antes era convenção virou estereótipo. O que antes lembrava os melhores momentos de Blake Edwards agora lembra os piores de Zorra Total. É uma pena, querida Sra. Maisel. E não tem graça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário