sábado, 28 de março de 2020



28 DE MARÇO DE 2020
CARPINEJAR

Há outros pássaros cantando na janela

Para conservar a esperança, temos que defender os ouvidos, não somente escutar os grasnidos de urubus e corvos. Há outros pássaros cantando lá fora e dentro de nossa memória.

Precisamos revezar a audição com o curió, o canário, o sabiá, o pardal, o rouxinol, o mateiro, o pintassilgo pelas janelas de nossa alma. Todo amigo é uma ave cantando diferente.

Que usemos o tempo sozinhos para melhorarmos as nossas relações, corrigirmos as omissões e os lapsos pelo excesso de trabalho, dedicarmos com mais afinco à educação de nossas crianças, revisando os seus desenhos e jogando juntos algum tabuleiro da nossa infância.

Como disse padre Fábio de Melo, não estamos isolados, mas protegidos.

A proteção é ninho aquecido de afeto, uma chance de reabastecimento emocional para retornarmos à labuta mais convictos de nossas aspirações. Cuidar dos ouvidos é evitar o bombardeio pessimista da atualidade. Não ser alienado, mas alternar os fatos tristes com ações edificantes presentes no nosso cotidiano.

Não permanecer exclusivamente no celular assistindo e partilhando vídeos apocalípticos, soma de infectados e mortos, numa contagem regressiva até chegar a um familiar ou a um conhecido. Que retiremos o pânico da pandemia. Não há como ser feliz sob ameaça constante.

O jeito de apequenar o medo é procurar interagir com as melodias caras de nossa vida: a voz dos pais, dos filhos, da esposa, dos amigos. Fazer perguntas de como eles nos enxergam, se estamos sendo presentes ou não. Ouça como os demais o percebem, é importante o ponto de vista externo para construir a nossa imagem.

Aproveite a quarentena para autocrítica, para o trabalho permanente de se aperfeiçoar, de ser gentil sem segundas intenções. Gargalhe com bobagens, faça mais piadas e memes com aqueles que estão próximos de você.

Regue as plantas e reorganize as roupas no armário, para voltar a vestir as peças que andam esquecidas pela pressa.

Como não há como ir ao salão, por que não brincar de manicure e cabeleireiro com o pessoal de casa?

Ler um livro para soltar a âncora da realidade imediata e viajar para distintas épocas e contextos.

Improvisar um karaokê com a sua playlist preferida. Cozinhar receitas da avó, para recuperar sabores perdidos. Não se sentir culpado por se divertir. Especialmente isso. Não sofrer de modo desnecessário é respeitar quem está realmente sofrendo.

Ocupar a imaginação positivamente, combatendo premonições assustadoras é o remédio para a saúde mental. Não se prender ao "se", abolir o "se" do vocabulário, não penar por antecipação.

Palavras amáveis são fáceis e ficam para sempre. O canto dos pássaros é o nosso despertador interior.

CARPINEJAR

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