segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


Uma foto horrorosa
POR CAMILA APPEL

Tem uma foto de roubar o ar na capa da Folha de hoje. Uma menina chamada Amira, de 15 meses, ensanguentada, morta. A legenda não deixa claro se o homem ao lado é seu pai, só comenta que ele “lamenta”.

Lamentamos todos. Acho importante jornais escancararem o horror diante do leitor. Há efeitos colaterais tolos. Um vai deixar o pãozinho de lado no café da manhã ao pegar o jornal, outro vai cuspir o suco e dizer que a Folha tem um tremendo “mau gosto” e há quem sussurre: desnecessário meus caros… desnecessário…

É uma pena que necessária seja justamente o que ela é. Por quê, pergunto eu para mim mesma. Porque é importante pararmos um minuto sequer nesse dia corrido e tentarmos visualizar a calamidade que vive a galera no Iraque (onde a foto foi tirada) e na Síria. Enquanto eu escrevo, enquanto você lê essas palavras, mais um bebê morre, perde os pais, ou brinca de esconde-esconde entre escombros de bombas.

Também não adianta a mídia nos chocar se nada podemos fazer a respeito, você poderia argumentar. Mas aí é que está. Há coisas a se fazer. Em primeiro lugar, é possível refletir. E isso não é tão inútil quanto parece.

Refletir sobre a que ponto o ser humano é capaz de chegar para conseguir o que quer. Eu nem tenho tão claro o que realmente o Estado Islâmico quer, mas vou colocar aqui, de forma simplista mesmo, que ele deseja a soberania. O que move as pessoas desse grupo, capaz de massacrar o outro de forma tão violenta e, ao mesmo tempo, alienada – porque só a alienação faz com que alguém consiga agir dessa forma – é um impulso também presente no Brasil.

Essa foto horrorosa foi tirada em um hospital improvisado no Iraque, mas poderia ter sido aqui. Nas favelas, nos assaltos, nos leitos de hospitais de São Paulo.

De forma mais prática, é possível doar dinheiro para entidades que buscam amenizar o caos, de ajuda humanitária. Também é possível parar de disseminar o ódio, a intolerância e o desrespeito. É possível dar a vez ao outro, entender que cada um tem um tempo diferente para pensar e agir, e perceber que esse outro tem direito a ter valores diferentes também.

É possível votar em pessoas que valorizam o poder de escolha e o acesso a oportunidades. É possível, inclusive, se candidatar para tentar fazer um país melhor. É possível pensar seriamente em ações que diminuam a desigualdade social e formas de diminuir a violência, como um estudo sobre os impactos da legalização da maconha.

É possível acreditar no ser humano. Confiar que ele saiba escolher os caminhos que melhor convém sem que isso signifique passar por cima de alguém. E que ele possa ter a responsabilidade adulta para decidir com quem gostaria de namorar, homem, mulher ou trans. Para decidir se gostaria de ter um filho ou não. Para decidir por uma morte assistida se assim desejar e confiar no Deus que ele bem entender. Talvez, mais empoderamento ao indivíduo faria com que ele acreditasse mais em si e no outro. E essa crença poderia evitar mais fotos horrorosas como essa.

É possível também apenas chorar com a imagem de Amira desfalecida nas mãos. Talvez essa seja a reação mais simples e a mais sincera de todas.

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