21 de dezembro de 2016 | N° 18720
DAVID COIMBRA
Vida de empregado
Um dia, depois de vários domingos circulando com uma caneta Bic as ofertas de emprego nos classificados, seguidos por várias segundas acordando cedo para ir às entrevistas nas empresas, consegui trabalho como contato publicitário em uma emissora de rádio. O contato publicitário é o vendedor de anúncios.
Não foi fácil, se você quer saber. Passei por todo um processo de seleção e, depois de aprovado, mais 15 dias de estafante treinamento. Ao cabo desse período, deram-me uma pasta cheia de contratos e folders e me mandaram sair para vender.
Pisei firme na calçada, orgulhoso de minha nova condição de trabalhador. Dei uns cinco ou seis passos, com a pastinha debaixo do braço. E comecei a me sentir mal. Realmente mal. Era o quê? Um enjoo, um banzo, talvez uma gripe forte, não sabia bem o que era. Andei mais um pouco, respirei fundo, pensei que devia tomar um Melhoral ou quem sabe descansar por uma ou duas horas. Se visitasse um cliente em potencial, não conseguiria me concentrar em que falar, quanto mais convencê-lo a comprar publicidade. Não, eu definitivamente não tinha condições de vender publicidade naquele momento.
Fui para casa frustrado e preocupado, porque devia apresentar um relatório para o chefe no dia seguinte.
Não houve dia seguinte. Pelo menos não no trabalho. Descobri que estava com uma caxumba tardia, e tive de me homiziar no fundo mais profundo da cama. Minha mãe chamou um médico conhecido dela, um pediatra, que não cobrou a visita e receitou os remédios de que necessitava. Passei 15 dias em tratamento e, quando me reapresentei à empresa, o chefe me recebeu com um sorriso irônico.
– Caxumba, é?
– Sim, sim. Trouxe até atestado. Mostrei-lhe o papel. Ele leu e sorriu com malícia. – Um pediatra? Tu é bem bebezão mesmo. Fui demitido. Miseravelmente demitido. Não adiantou jurar que havia ficado de fato com caxumba, ele não acreditou. Depois de tanta luta, meu emprego durou um único mês, sem que eu tivesse trabalhado um único dia.
Até admito que a história podia ser considerada inverossímil, mas, puxa, era verdade!
Paciência. No domingo, lá estava eu, circulando ofertas de emprego nos classificados.
Meu trabalho seguinte também foi como vendedor, só que de títulos patrimoniais de clubes. Uns seis ou sete clubes: o Grêmio, o União, o Comercial, não me lembro dos outros. De repente, me vi na zona norte de Porto Alegre com minha pasta, olhando para a fila de casas de uma rua. Decidi que iria começar pelo começo: bateria na primeira casa e ofereceria um título patrimonial ao morador. Assim seguiria até a última. Se tivesse sucesso em 10% das tentativas, venderia cinco títulos depois de 50 casas. Era maravilhoso.
Foi aí que descobri que as pessoas odeiam o vendedor de títulos. Fui corrido, insultado e caçoado. Quando tinha sorte, era ignorado. Consegui entrar em duas ou três casas, e ainda assim não estive nem perto de fechar uma venda. Na última tentativa, já à noite, uma senhorinha me ofereceu um quindim, aceitei e ela me cobrou metade dos trocados que tinha no bolso.
Voltei para casa arrastando o meu fracasso pela calçada. No dia seguinte, não tive ânimo para fazer 50 casas. Fiz umas 25. Continuei no zero a zero. No terceiro dia, 15. No quarto, 10. Na sexta-feira, pensei: não vou desistir enquanto não vender um título.
Na segunda, desisti. Um homem tem de saber quando está derrotado. A vida do empregado, às vezes, é tão dura quanto a do desempregado.
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