14 de dezembro de 2016 | N° 18714
DAVID COIMBRA
Vegetarianas unidas jamais serão vencidas
Uma vez, ocorreu uma manifestação de vegetarianas contra mim. Foi durante a sessão de autógrafos de um livro que lancei, acho que era o Jogo de Damas. Sério. Vegetarianas.
Eu estava no mezanino da livraria, assinando um livro, e, de repente, as vegetarianas pularam de trás de algum pé de alface, puxaram faixas e cartazes de protesto e gritaram algo como “abaixo” ou “fora” ou qualquer coisa do gênero. Eram umas 20 ou 30, talvez, não lembro bem.
Fiquei surpreso e admirado. Sempre brinquei com as vegetarianas, e não por ser um adepto de bifes, mas por achar engraçada a devoção delas ao, digamos, “movimento”. Só não esperava que fossem assim tão devotas. É como se, sei lá, alguém escrevesse que não gosta de amarelo e os amantes do amarelo saíssem à rua em protesto contra a desfeita.
Verdade que não foi minha única quizília culinária. Certo dia, escrevi sobre um caso que me aconteceu em 1990. Eu cobria a campanha eleitoral para o governo do Estado. O então candidato Nelson Marchezan, pai do prefeito eleito de Porto Alegre, foi a São Lourenço em uma data festiva da cidade e lá ficou para o almoço, que seria realizado em um ginásio. O prato que seria servido era uma especialidade local chamada “caldo lourenciano”. Fui ver do que se tratava. Encontrei uns homens mexendo em dois ou três tonéis quase da minha altura.
– Esse é o famoso caldo lourenciano! – me disse um deles.
Espiei o conteúdo do tonel. Uma pasta verde fervia furiosamente.
– O que tem aí? – perguntei. E eles, rindo: – Tudo!
Na hora do almoço, preferi me abster do caldo lourenciano. Aprecio aventuras gastronômicas, mas estava trabalhando, não ia voltar para casa antes do dia seguinte, qualquer intempérie estomacal poderia prejudicar a cobertura jornalística. Marchezan, no entanto, enfrentou o caldo lourenciano com invejável brio. Devorou três pratos cheios com muita convicção.
Foi isso que contei, colorindo um pouco a história, reconheço, e foi isso que provocou a ira dos habitantes da bela e pacífica São Lourenço do Sul. Eles escreveram cartas furiosas para o jornal, ligaram, reclamaram pungentemente e alguns até disseram que eu era persona non grata na cidade.
Aquilo me deixou perplexo. Havia falado de um caldo lourenciano, imagine se tivesse sido uma pessoa lourenciana?
É por isso que, agora, pretendo deixar bem claro: logo que chegar ao Brasil, tudo que quero é me repimpar com pratos e mais pratos fumegantes do delicioso e inefável e saudável caldo lourenciano.
Sou suscetível a protestantes. Mas não ao ponto de me tornar vegetariano.
Sim. Gosto de comer vacas mortas.
Outro dia, disse isso ao meu filho, durante o jantar. Ele perguntou de onde vinha o bife e informei:
– É um pedaço de uma vaca morta.
Ele, boquiaberto:
– Não! – É. – Não! – Estou dizendo...
Ele pensou por um segundo. E continuou a comer sua vaca morta. Sorri. Essa é a atitude, meu filho.
Mas estou contando tudo isso para falar de uma mulher pequena e bela e suavemente matinal. Quem será? Direi amanhã.
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