quarta-feira, 7 de dezembro de 2016



07 de dezembro de 2016 | N° 18708 
DAVID COIMBRA

Só porque o tempo estava bom

Você acorda de manhã, olha para o céu completamente azul, vê o sol se derramando sobre a cidade e sorri: – Que lindo dia... Você pensa que nada pode dar errado num dia assim glorioso. Será?

A grande desgraça de 250 mil moradores de Hiroshima foi, exatamente, a beleza da manhã de 6 de agosto de 1945.

Porque o governo americano não havia decidido que Hiroshima seria o alvo da primeira bomba atômica. O piloto da superfortaleza voadora que carregava a arma mais mortal da história da humanidade podia escolher entre quatro cidades japonesas. Dependeria das condições climáticas. Se o tempo estivesse fechado e não houvesse visibilidade, ele deveria seguir em frente e jogar a bomba em outro local.

Desde pequeno, quando lia acerca da II Guerra, essa pequena fresta da História me fascinou. Queria ter talento para fazer um filme a respeito. Tudo é repleto de significados. O avião cor de prata que levou a bomba era chamado de Enola Gay, em homenagem à mãe do piloto. E a bomba era chamada de Little Boy, “Garotinho”. Ou seja: a mãe Enola Gay pariu um garotinho terrível. O que Freud teria escrito a propósito, se não tivesse morrido seis anos antes?

A viagem do Enola Gay durou seis horas e meia, toda a madrugada e o início da manhã. Durante esse período, imagine as pessoas de Hiroshima e das outras três cidades-alvo. As crianças indo para a cama e os pais lhes dando beijos de boa-noite, casais fazendo amor ou discutindo a relação, homens e mulheres com a cabeça no travesseiro, fazendo um balanço do dia que passou e planos para o dia seguinte. Seus filhos, seus sonhos, suas vidas, tudo estava subordinado a um único fator: o tempo estaria bom ou ruim na manhã seguinte?

O maior infortúnio de Hiroshima foi ter vivido um belo dia de sol em 6 de agosto de 1945.

Pense nas minudências de aparência insignificante que foram decisivas em sua vida. Se você não tivesse entrado naquele carro, se você não tivesse aceitado aquele convite, se você tivesse ficado em casa, se o dia fosse chuvoso e não iluminado.

Um mínimo detalhe pode mudar tudo. No caso do Brasil, tudo mudou porque um sujeito queria um carro novo. Paulo Roberto Costa não estava contente com o carro que tinha, e o doleiro Alberto Youssef lhe doou uma Land Rover. Foi o que fez soar o alarme na Polícia Federal do Paraná e desencadeou a Operação Lava-Jato.

Paulo Roberto Costa podia comprar uma Land Rover zero-quilômetro com o dinheiro que havia guardado, ele era um homem rico e poderoso, amigo de ministros, deputados e presidentes. Mas foi ganancioso, foi confiante em demasia, aceitou um mimo a mais do doleiro que o financiava. E a vida de 205 milhões de pessoas tomou novo rumo.

Portanto, tome cuidado com as minúsculas deliberações do seu dia. Preste atenção ao que parece pequeno e inofensivo. Às vezes, é do céu limpo que a bomba cai.

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