terça-feira, 20 de dezembro de 2016



20 de dezembro de 2016 | N° 18719 

DAVID COIMBRA

Vida de desempregado

Todos os domingos, abria os classificados do jornal e traçava com a caneta um círculo nos anúncios de emprego que mais me interessavam. Eu tinha uns 16 anos, precisava trabalhar e diziam-me que só existe um pedaço de tempo da semana em que a pessoa pode procurar emprego: a manhã de segunda-feira. Por essa lógica, se você se apresentar ao empregador a partir do meio-dia de segunda, a vaga já estará preenchida ou ele vai olhá-lo com desdém, pensando algo como: “Por que esse cara não veio antes? Ele não gosta de acordar cedo? Não queremos um cara que não gosta de acordar cedo”.

O negócio, quando você procura emprego, é parecer madrugador.

Então, às sete da manhã das segundas-feiras, lá estava eu, pingente de um ônibus lotado, a caminho do emprego pretendido. E nunca alcançado. Se tem uma coisa na vida com que você tem de se acostumar, se você for eu, é com a rejeição. É irritante descobrir que sempre tem alguém mais capaz, mais amado, mais desejado e mais madrugador do que você. Sim, porque, quando chegava às empresas, deparava com multidões de candidatos que haviam chegado antes. Como eles conseguiam? A que horas aqueles sujeitos acordavam?

Eu olhava em volta, via aqueles tipos de gravata, e já sabia que não teria chance. E não tinha mesmo.

Muitas vezes, preenchia a ficha e nem era chamado para a entrevista. Isso me intrigava. O que havia escrito de errado naquela maldita ficha?

Quando me convocavam para a entrevista, era uma aflição. O que vestir? Tinha de botar a camisa para dentro das calças, é claro. Ninguém vai empregar alguém que usa a camisa para fora das calças.

Outra coisa: o sapato. Uma vez, ia saindo de casa para uma entrevista e a minha mãe apontou para os meus pés:

– Tu vais querer arranjar emprego usando tênis? É fato que calçar tênis é eliminatório, se você procura emprego. Algumas perguntas que eles fazem nas entrevistas de emprego são muito agastantes.

Por que você quer trabalhar na nossa empresa?

Ora, a resposta certa seria: preciso ganhar algum, então estou aceitando qualquer proposta, mas, depois que estiver empregado, vou tentar algo melhor, porque não pretendo passar a vida inteira trabalhando por esse salário de fome.

Mas é claro que você não diz isso. Você diz que admira muito aquela empresa e que sempre sonhou em ser escriturário.

Uma vez, um entrevistador ficou me encarando um tempão em silêncio. Olhava para mim bem sério. Aquilo foi me enervando. O que devia fazer? Sorrir? Dizer algo? Sorri um pouco, mas não disse nada. Aí ele falou:

– Tire os óculos. Tirei os óculos. Ele pensou um pouco, enquanto eu ficava vermelho. Por fim, sentenciou: – Você tem um olhar muito vivo. Muito, muito vivo.

E agora? Ter um olhar muito, muito vivo era bom? Ou era ruim? Eles estavam atrás de alguém com olhar muito, muito vivo?

Não estavam. Ele não me chamou para a vaga. Um dia, depois de dezenas de manhãs de segunda, consegui um trabalho. Já conto qual.

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