Jaime Cimenti
Conto de Natal
Na madrugada fria, no céu escuro sem qualquer estrela, em meio aos trovões, ao vendaval e às chuvas torrenciais, a luz do Farol do Pontal brilhava, bem no alto do penhasco, provavelmente para nenhum navegante, naquele 25 de dezembro. Mas o faroleiro Jonas, como sempre, cumprira o dever de deixar funcionando as lentes, as lâmpadas e os espelhos refletores.
Há mais de 30 anos ele morava sozinho no farol e orgulhava-se de jamais ter deixado de cumprir com suas obrigações. Uma ou outra companhia feminina eventual naqueles anos todos, nenhum filho, pouquíssimas visitas de parentes ou amigos - para Jonas, aquela véspera de Natal fora como tantas outras: em silêncio, solitário, apenas o pequeno e velho presépio sinalizando a data. Pão com sardinha, conserva de frutas em lata, alguns cálices de vinho tinto popular com "gosto de uva", como ele dizia, e um café passado no coador foram a ceia.
Ele já ia deitar quando observou o mar e viu algo branco nas ondas, além das espumas. Algo que media alguns metros. Desceu os 150 degraus da torre e precisou entrar apenas alguns metros no mar para recolher a pequena canoa vazia. As duas gaivotas dentro dela esvoaçaram assim que ele chegou. Não havia remos. Dentro do pequeno barco havia só um lenço cor de rosa preso numa das tábuas do fundo.
Alguma coisa fez Jonas aguardar na praia, junto à pequena canoa branca. Ele não se importou com o frio, nem com os ventos ou com a garoa. Deixou o pensamento fixar-se no infinito do mar. Sempre pensava que nada era mais vital, misterioso, perigoso ou maior. O mar. Milhões de segredos e histórias, de movimentos de eterno retorno, milhões de vidas. Depois de observar a beleza daquele mar ainda bravio, ele enxergou um corpo de mulher que as ondas traziam.
Foi até lá, conseguiu tomá-la nos braços como se fosse um noivo e a levou até o farol. Ajudou-a a respirar e a vomitar a água do mar que tinha engolido. Por milagre ela ainda estava viva. Deu-lhe leite quente e deixou, depois de lhe dar uma toalha, um pijama e acomodá-la numa pequena cama de solteiro, para que ela dormisse.
Sentiu logo que aquela mulher de 50 e poucos anos como ele, de cabelos e olhos claros, estatura mediana, nem magra nem gorda, queria apenas descansar naquele momento. Estava sem forças, precisava dormir - quem sabe, sonhar?
Por algum tempo Jonas ficou observando a navegante. Secou um pouco seus cabelos encostando levemente uma toalha para não acordá-la. O acontecimento mudara a rotina de seu Natal. Ele ficou imaginando quem seria aquela mulher e o que exatamente teria acontecido com ela e a canoa em alto-mar, naquela noite de tempestade. De onde teria vindo? Para onde ia? Era casada? Tinha filhos? Qual seria sua profissão? Quais eram seus sonhos? Sabia que as respostas, se é que as teria, somente viriam na manhã seguinte e se ela efetivamente sobrevivesse. Jonas tentara contato para socorro médico. Não conseguira.
Ele rezou e adormeceu.
a propósito...
Na manhã seguinte, o sol apareceu. Jonas acordou, preparou o café da manhã para eles e esperou que ela acordasse. Agnes, esse era o nome dela, acordou e assustou-se um pouco vendo que estava de pijama masculino listrado, no topo da torre de um farol. Agradeceu muito a ajuda, disse que na noite anterior decidira ir, sozinha, de canoa para alto-mar, sem plano de voltar ... Queria a última viagem, o final... Então, a tempestade a jogou para fora e ela, boa nadadora, mudara de ideia e conseguira chegar perto da costa quando fora recolhida por Jonas.
Nada acontece por acaso. Feliz Natal e pode ficar por aqui, até quando não sei ou não saibas, Agnes.
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