sábado, 4 de julho de 2015




05 de julho de 2015 | N° 18215 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Muita gente é quanto?

Primeira página de jornal francês, no dia em que escrevo este texto: apenas neste 2015, mais de 137 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo fugindo de algum horror em sua África natal – fome, guerra, perseguição religiosa e política, desemprego sem remissão. Deles, mais de 1,8 mil morreram antes de chegar ao destino, que era menos a Europa do que a tranquilidade de uma vida decente.

137 mil é muito? É muito, claro. Um fugitivo do horror já é o infinito, se a gente prestar atenção a ele como indivíduo, como alguém que respira como eu, se alimenta, dorme, sonha, transa, ralha com os filhos, torce pela seleção do país. Um desses que morre, então, aumenta o infinito para o impensável. Não sou dado a terrores noturnos, nem sou vítima severa de depressão, mas de vez em quando atravessa correndo o meu pensamento a sensação que deve tomar alguém querendo sobreviver em meio ao caos, e submergindo a ele. O horror, o horror.

Em 2014, houve 40.451 mortos no trânsito brasileiro (dados do SUS), e mais de 170 mil feridos. Reportagem da Folha de S. Paulo observa que em termos relativos à população foi um número animador, porque menor em 10% comparado ao ano anterior. É muito?

Quantas serão as mortes ligadas ao tráfico de drogas? Nem vou atrás dos números, que poderiam me levar a outros, como aqueles ligados a roubos, extorsões, sequestros, tudo em busca de grana imediata para o tráfico. (Números claramente subestimados, porque as classes confortáveis nem contabilizam mais essa perdas, salvo quando envolvem risco para a vida.) São gangues disputando domínio territorial, é a polícia enfrentando bandidos, é também a polícia, em muitas partes do Brasil, matando sem razão, matando “preventivamente”.

Nenhum desses três megaproblemas atuais tem solução fácil. O desespero dos refugiados mundo afora se liga a dimensões inescrutáveis da Grande Política mundial, em relação à qual o Brasil costuma ter posição hesitante, quando não omissa. Mas os dois outros, vamos falar sério, podem ser abordados de modo mais decidido entre nós. O trânsito no Brasil poderia ser muito menos assassino. Educação e punição, claro, mas também políticas gerais para estímulo de transporte coletivo. Quando é que vamos fazer isso a sério, se nem os corredores de ônibus para a Copa passada estão prontos?

Quanto ao mundo das drogas, não há mais argumento suficiente para manter este modelo repressivo. Esta semana, uma importante autoridade brasileira no setor, José Mariano Beltrame, secretário de segurança do Rio, o cara das UPPs, em visita a países europeus declarou, com todas as letras: é uma guerra perdida, irracional, sem sentido. Admirou Portugal, que descriminalizou todas as drogas, todas, e passou o assunto da esfera da polícia para a da saúde (está na revista Época). “Descriminalizando o uso, um dos efeitos é o alívio na polícia e no Poder Judiciário, que podem se dedicar aos homicídios, aos crimes verdadeiros”, disse.

Enquanto isso, nosso Congresso e nossa Assembleia discutem o quê, mesmo?

Enquanto isso, uma boa notícia, um presente: prezado leitor, copie aqui e cole lá o endereço http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br/arquivos/Livros/CamposSulinos.pdf. A surpresa vai ser boa e grande: trata-se da versão em pdf de um livro, editado agora mesmo pela Rede Campos Sulinos e Editora da UFRGS, organizado por Valério de Patta Pillar, reconhecido professor da Ecologia da universidade, e Omara Lange, bióloga e fotógrafa, com apoio da FAPERGS (ei, governador, vai detonar também com ela?) e do CNPq (ei, ministro Renato, vai dar pra segurar a onda aí?).

São 18 capítulos, a maior parte dos quais ligados ao mundo dos animais e das plantas desse universo particular que são os campos do sul – há mesmo toda uma discussão sobre essa denominação, em contraste com outras, usadas até oficialmente, cujo uso não descreve com precisão a realidade dos campos sulinos e, como qualquer conceito inadequado, acaba mascarando muita coisa. E há textos de historiadores e geógrafos também, num esforço conjunto que justifica a existência da universidade.

E as fotos, meu caro. As fotos!

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