quinta-feira, 9 de julho de 2015



09 de julho de 2015 | N° 18221
DAVID COIMBRA

O que fazer depois de morto

É certo que as pessoas ficam mais espertas depois de mortas. Mais poderosas, também. Aquela menina que morreu aos 14 anos de idade em Palmitinho, por exemplo. Parece que ela anda fazendo milagres agora. Há quem diga, inclusive, que se vingou do seu suposto assassino, matando-o de doença.

Quer dizer: viva, a menina nada podia fazer contra seu agressor; morta, acabou com ele.

É que, morto, o ser humano fica privado de corpo, mas enche-se de habilidades. Alguns mortos conseguem prever o futuro e contam o que vai acontecer para médiuns vivos com quem se relacionam. Mas não acredito que seja a decomposição física que os transforme em adivinhões. Suponho que tenham acesso a informação privilegiada. Todos aqueles santos e anjos e demais entidades devem saber das coisas.

O que mais me intriga são os mortos que viram fantasmas. As chamadas almas penadas. O espírito de Ana Bolena é um que continua vagando por aí, mais precisamente em volta da Torre de Londres, onde ela passou seus últimos dias como viva. Repare que faz quase 500 anos que Ana Bolena foi decapitada, e os turistas vez em quando a encontram nas cercanias da Torre, caminhando com sua cabeça debaixo do braço. Isso é curioso, porque, aparentemente, Ana se conformou com a morte. Ao subir no cadafalso, ela estava muito digna. Encarou a multidão como a rainha que foi e deu um discurso elegante, elogiando o ex-marido, o rei Henrique VIII, que havia mandado matá-la. Depois, olhou para o carrasco, alisou o próprio pescoço, que seria cortado, e comentou:

– É fino, não é?

Sensual até o último minuto. Por que, então, a revolta de seu espírito descarnado?

Outro fantasma interessante é o de Abigail Adams, considerada pioneira do feminismo, mulher do segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, e mãe de Quincy Adams, que também seria presidente da República. Tinha, portanto, intimidade com a Casa Branca. E na Casa Branca ela continua, pelo menos em espírito. Várias pessoas disseram ter visto o espectro de Abigail carregando roupas para lavar numa ala do palácio, atividade que ela exercia enquanto viva. Uma feminista que passa a eternidade lavando roupa, que crueldade...

A Casa Branca é cheia de fantasmas. Uma vez, Churchill estava hospedado lá, saiu do banho completamente pelado e deparou com ninguém senão Abraham Lincoln, que fora assassinado havia mais de cem anos. Churchill ficou apavorado, cobriu o corpo volumoso e branco o mais rápido que pôde e exigiu trocar de suíte.


Essas aparições me levam a concluir que fantasmas residem em locais aos quais se apegaram quando vivos. Eu, se me tornasse fantasma, para onde iria? Não gostaria de assombrar ninguém. Não. Seria decerto um espírito preguiçoso: passaria a sempiternidade sentado numa cadeira, à mesa do bar, junto com meus amigos. Com meus poderes sobrenaturais, faria murchar batatinhas fritas e mofar sanduíches abertos, até que um deles pedisse um chope para mim. Aí, sim, minha alma sedenta descansaria em paz, e eu ficaria só ouvindo os camaradas a dizer besteiras e a contar vantagens, a falar de mulheres difíceis e de gols fáceis, para todo o sempre. Amém.

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