quinta-feira, 2 de julho de 2015



02 de julho de 2015 | N° 18212 
L. F. VERISSIMO

Três homens

Saiu nos Estados Unidos uma cópia restaurada do filme O terceiro homem, lançado originalmente em 1949. O filme é um clássico do cinema “noir” que reuniu os talentos de três homens: do escritor inglês Graham Greene, do diretor inglês Carol Reed e do ator americano Orson Welles, no papel do vilão Harry Lime, o terceiro homem da trama.

Que se passa na Viena ocupada pelos aliados logo depois do fim da II Guerra Mundial, quando colaboradores dos nazistas e aproveitadores inescrupulosos da guerra ainda estão sendo caçados. Harry Lime é um desses procurados. Seu personagem faz quase uma ponta no filme, mas Welles o transformou na sua principal atração.

Quem viu o filme não esquece da fala de Lime tentando justificar sua vilania, comparando os 30 anos de guerra, terror e sangue na Itália sob os Bórgias, que produziram a arte de Michelangelo e Leonardo da Vinci e deram início à Renascença, com os 500 anos de democracia e paz da Suíça, que produziram o relógio cuco. Até hoje se especula se a fala é do roteirista Greene ou do próprio Welles. E há quem alegue que não é nem de Greene nem de Welles, mas do pintor americano Whistler, num ensaio escrito no século 19.

Carol Reed fez alguns dos filmes marcantes da época, como O condenado (Odd man out) e O ídolo caído, e colaborou com Greene em outros, como o Nosso homem em Havana, ambientado na Cuba de Batista e filmado pouco depois da revolução castrista (dizem que Fidel assistiu à filmagem de algumas cenas), mas não chegou a merecer lugar num imaginário panteon de grandes diretores.

Era dado a um expressionismo meio exibicionista, muita câmera enviesada e jogo de sombras. Mas o estilo funcionou maravilhosamente em O terceiro homem, que o redime de todos os excessos.

Graham Greene é outro, acho eu, cuja reputação desbotou com o tempo, no seu caso injustamente. Ele dividia a sua obra entre romances e “entretenimentos”, e certamente encarou o roteiro de O terceiro homem, que depois publicou em livro, como exemplo da segunda categoria.

Mas Greene, mesmo se divertindo, nunca estava longe dos seus temas preferidos de católico convertido: traição, culpa, remissão ou castigo. Em O terceiro homem, tem tudo isso. Como no tempo dos Bórgias na Itália, anos de guerra, terror e sangue produziram Harry Lime.

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