terça-feira, 6 de setembro de 2011



06 de setembro de 2011 | N° 16817
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O bonde do tempo

Em algum momento, perdi o bonde do tempo. Não juro, mas desconfio que foi quando as modernas tecnologias invadiram sem licença minha vida. Hoje recebo uma imensa quantidade de e-mails, que me prometem céus e terras, mas poucos tocam meu coração.

É evidente que é agradável colecionar mensagens que falam com brandura de minhas crônicas. A essas respondo feliz e reconhecido porque significam que ergui pontes entre as ilhas dispersas do arquipélago humano.

Mas junto com elas me chegam mensagens absolutamente dispensáveis: eu passaria bem sem elas, inclusive as que me convidam a participar de redes sociais das quais quero distância.

Sinto falta das cartas. Em outras épocas, se alguma garota ou alguma dama quisesse manifestar apreço por um texto meu, escrevia belas e bem traçadas linhas em uma página pautada e colocava nos Correios, dentro de um daqueles envelopes margeados pelas cores verde e amarela. Eu recebia a oferenda com emoção..

Agora, tudo são operações informáticas, não raro com arquivos anexos que não sei desvendar. Não desgosto desses e-mails, mas sou obrigado a reconhecer que antes tudo era mais romântico, aí incluída a espera do carteiro, que até samba já rendeu.

Mas as novas – ou já nem tanto – tecnologias de computador não são as únicas. Uma simples operação bancária exige que eu conheça os mistérios de uma ou duas dezenas de teclas. O cheque escrito à mão vai virando artigo de museu.

Meu aparelho de som reúne tantos comandos quanto os de uma nave espacial de porte médio. E meu forno de micro-ondas requer um manual de instruções para ser pilotado.

Já o meu telefone é uma sopa de letras e algarismos que reclama um engenheiro de bordo. Quanto ao celular, foi por mim aposentado gloriosamente depois que descobri que me dava mais trabalho do que simples operações de contato com as pessoas.

Tudo isso é uma soma de fatores que só tem um resultado evidente. Na ânsia de simplificar a vida, nós a complicamos.

Não sei onde nos levará a ditadura dos códigos e das teclas. Pode ser que as crianças se acostumem desde cedo com esse admirável mundo novo.

Já eu sonho com os dias em que recebia cartas de amadas com duas gotas de perfume. 

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