terça-feira, 6 de setembro de 2011



06 de setembro de 2011 | N° 16817
PAULO SANT’ANA


As notas falsas

Passei três dias em Buenos Aires. O que menos fiz foi cantar com o cantante e dono da casa de espetáculos Señor Tango, meu amigo Fernando Soler, sob aplausos dos gaúchos e dos japoneses que lá estavam.

O que quero contar, no entanto, é mais importante. Eu cantar tangos em Buenos Aires faz parte da minha megalomania.

E por isso quero contar sobre uma grande desvantagem, agora. Uma desvantagem que depõe contra mim.

Pablo es asi, Pablo se autocritica. Ei-lo:

Saí da casa de tangos El Viejo Almacén, e, defronte, o taxista esperava os turistas, que queria tornar seus passageiros.

Entrei no táxi, mais de meia-noite, fui até a Plaza Florida, onde ficava meu hotel.

A corrida custou 27 pesos, pouco mais de R$ 10. Eu no banco de trás, dei ao taxista uma nota de 100 pesos para que ele descontasse a corrida.

Ele pegou a nota, examinou-a e me disse: “Dê-me outra, esta é falsa”.

Dei-lhe outra nota de 100 pesos, eu não tinha menor. Ele a examinou e disse novamente: “É falsa”. Por três vezes me disse que eram falsas minhas cédulas.

Foi aí que vasculhei em minha memória e fui ver que lá estava um golpe que eu já conhecia, antigo golpe aplicado em Buenos Aires.

Ao todo, o taxista pegou três notas minha de 100 pesos, legítimos. Ele as trocava com prestidigitação e me devolvia notas falsas.

Antigo golpe, não sei como fui cair.

Então, saí do carro e gritei pela polícia, que na madrugada estava desaparecida. Ato contínuo, o taxista fugiu do local com a porta do táxi por onde eu saíra aberta.

Fiquei na rua a amargar o prejuízo de 300 pesos, cerca de R$ 150.

Lembro o detalhe de que o grande trouxa aqui, naquela confusão, sequer anotou a placa do táxi.

Pensei comigo que poderia dar sorte e, na noite seguinte, à saída do show a que eu assistira, o mesmo taxista estivesse no mesmo lugar, tentando lograr mais um turista incauto.

Fui até lá à meia-noite do dia seguinte.

Por incrível que pareça, o taxista estava ali na esquina do El Viejo Almacén, um templo sagrado do tango que Edmundo Rivero e Virginia Luque celebrizaram.

Quando me viu, o taxista tentou se esquivar, mas agarrei-lhe o pescoço com minhas duas mãos. Eu gritava: “O senhor me roubou 300 pesos. Devolva-os. Ligeiro, antes que eu chame a polícia”.

O taxista concordou em me indenizar nos 300 pesos.

Deu-me três notas de cem pesos e eu entrei em outro táxi e fui embora para meu hotel, satisfeito, alegre, por ter recuperado meu prejuízo de otário deslavado.

Quando cheguei ao hotel, fui pôr ordem nas minhas coisas, como faz todo turista.

E então caí duro para trás: as três notas de cem pesos com que o taxista me indenizara eram também falsas.

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