sexta-feira, 4 de julho de 2008



04 de julho de 2008
N° 15652 - David Coimbra


Nada pode

Eu não guiava auto nem usava celular. Faz quatro anos que adquiri um e outro. Celular não tinha porque não queria ser localizado a todo momento.

E carro nunca comprei porque gostava de sair para beber com os amigos. Gosto ainda. A diferença é que, depois dos 40 anos, concluí estar maduro o suficiente para não sentar embriagado atrás de um volante.

Se fosse beber, o faria com moderação, e jamais na estrada. Então, comprei carro, tirei carteira, contribuí para as férias européias de algum integrante da quadrilha do Detran, tudo direitinho.

Aí os caras me inventam essa Lei Seca!!!

Quer dizer: se estiver dirigindo sem cinto, acima da velocidade permitida, falando ao celular e atropelar alguém, desde que a vítima não se machuque muito, sem problemas: atendo às exigências policiais, pego meu carro e vou para casa.

Agora, se estiver a 40 por hora, amarrado ao cinto de segurança, sem furar o sinal vermelho, correto como um escoteiro, mas se, após o almoço, tiver bebido um copo de licor do tamanho de um polegar, o Mallmann e o Mendes me levam preso! PRESO!

Logo, não posso mais beber. Fumar, nunca fumei, mas hoje em dia não poderia, se quisesse. E não quereria: sei como os fumantes são tratados. Leprosos, é isso que os fumantes são. Párias. Um fumante é algo ofensivo e odiento, ainda verei fumantes sendo apedrejados na rua. Logo, fumar, não fumarei.

Outra: é preciso tomar cuidado com o que se fala, neste século 21. Tempos atrás escrevi uma história em que a protagonista era uma gorda de vestido floreado. Um erro. Gordas de vestido floreado me paravam na rua para reclamar.

Uma delas gritou que iria sentar sobre mim, e fiquei bem assustado. Depois escrevi uma coluna na qual contava que a Mariana Bertolucci, do RS Vip, tem medo de anão. Associações de anões ameaçaram com processo.

Igualmente perigoso é o terreno das dietas alimentares. Um dia fiz uma coluna a respeito do Caldo Lourenciano, um caldo que tem lá em São Lourenço.

Era só uma brincadeira e era com um caldo, não era com uma pessoa lourenciana, nem com uma amiga dela, mas os lourencianos todos ficaram fulos comigo, fizeram comunidades no Orkut contra mim e tudo mais.

Prosseguindo no terreno culinário, goze de uma vegetariana, por exemplo, e você descobrirá o quanto uma pessoa que se alimenta de salada pode ser furiosa. Mais arriscados ainda são gracejos a respeito de bichinhos.

Quaisquer bichinhos, das vacas ao vírus da Aids. Os defensores dos animais não perdoam seres humanos que façam piadas com bichinhos.

Mas, se você quiser encontrar uma pessoa braba de verdade, procure uma mulher que seja vegetariana, defensora dos animais e ecologista, tudo junto. Ah, e feminista! Cruzcredo.

Finalmente, digamos que você resolva brincar com uma uma dessas categorias sem que elas saibam, escondidinho, à sorrelfa, contando piadas apenas entre amigos. Não adianta.

Algum vice-governador gravará a conversa e você será xingado, chutado e processado, nesta ordem. Vivemos tempos em que as pessoas andam pelas ruas com celulares que gravam, filmam e fotografam, ninguém mais tem privacidade.

Em resumo, não se pode mais beber, fumar, comer gordura trans, fazer piadas com gordas, anões, pernetas, japoneses, portugueses, loiras, homossexuais, bissexuais, trissexuais, nada!

Não se pode mais fazer nada! Estamos nos tornando o país da tolerância zero, as pessoas exigem tolerância zero, e é isso que elas têm, cada vez mais: tolerância zero.

Mas sei qual é o sinônimo para tolerância zero, é algo que esteve sempre presente na história do homem, e ainda está, e nunca foi bom. É intolerância.

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