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terça-feira, 1 de julho de 2008
01 de julho de 2008
N° 15649 - Moacyr Scliar
Violência e torta de maçã
Volta e meia a gente lê nos jornais acerca de alguém, em geral um homem jovem, que entrou numa escola, numa lanchonete, num lugar público qualquer, sacou uma arma automática e começou a disparar contra as pessoas que ali estavam, matando várias. Onde acontece isso? Nos Estados Unidos, claro.
É um lugar onde vive muita gente, onde armas podem ser obtidas facilmente e, sobretudo, um lugar onde existe uma arraigada cultura da violência, o que explica o famoso dito de que "violence is as American as apple pie", a violência é tão americana quanto a torta de maçã, esta uma sobremesa tradicional.
Demonstra-o muito bem um impressionante filme que recém entrou em cartaz, Antes que o Diabo saiba que Você Está Morto, com Sidney Lumet dirigindo um estupendo elenco: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney e Marisa Tomei. A história é relativamente simples: dois irmãos em dificuldades financeiras decidem, um entusiasmado, outro reticente, assaltar a pequena joalheria do pai.
Teoricamente será uma coisa fácil e inócua, pois haverá lá apenas uma velha funcionária e o seguro pagará o roubo. Mas dá tudo errado; inicia-se então uma incrível escalada de violência que faz várias vítimas e que resulta de tensões longamente contidas numa família que parece absolutamente normal.
Parte dessa violência é conseqüência, portanto, de conflitos pessoais, mas parte dela é conseqüência do fato de ambos os irmãos serem loosers, perdedores, o que, numa sociedade competitiva como é a americana é um estigma e uma condenação.
Neste 4 de julho, os americanos estarão celebrando mais um aniversário de sua independência. É, como a gente sabe de filmes (outros filmes, não o mencionado) uma festa de verão, alegre, ingênua, com desfile de escolas e espetáculos de fogos de artifício: outra face da América, completamente diferente daquela que o filme mostra. Mas é exatamente isso que faz dos Estados Unidos um grande país.
Porque é, não tenhamos dúvida, um grande país. No momento, esta verdade não parece evidente: em meio a uma crise que repercute no mundo, está encerrando seu mandato aquele que é um forte candidato ao título de pior presidente americano, George W. Bush, cujo governo foi responsável por desastres econômicos, políticos e militares.
Mas, num país em que o preconceito racial durante séculos foi uma constante, aparece agora, e com muitas chances de vencer a eleição, um candidato negro.
Os americanos aprendem. Aprendem com seus próprios erros, mas aprendem, e aprendem num clima de democracia. Numa época em que o fanatismo político e religioso se faz presente no cotidiano de milhões de pessoas, este é um fato admirável.
Desse clima democrático, onde a crítica é encarada como coisa normal, o filme também dá testemunho, ao apontar as disfunções da sociedade americana. É uma sociedade contraditória?
É. Mas sabe transformar as contradições em grandeza. E isto, no mundo em que vivemos, é motivo de esperança.
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