segunda-feira, 5 de agosto de 2024



05 de Agosto de 2024
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e especialista em contas públicas

"Por vinculação, gasto com saúde subiu R$ 50 bilhões só entre 2023 e 2024"

O Brasil já viu cortes de R$ 15 bilhões e "pré-contingenciamento" em 2024, e agora as atenções vão para uma tesourada ainda maior e mais estratégica, de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios para 2025, importantes por representar economia que se sustenta ao longo dos anos.

Os cortes em saúde e educação surpreenderam?

Para quem acompanha, não. É importante lembrar que, por conta da vinculação desses gastos à receita, o mínimo constitucional da saúde subiu R$ 50 bilhões só entre 2023 e 2024. O orçamento deste ano foi feito assumindo R$ 170 bilhões em aumento de receita. Isso elevou a necessidade de gastos para cumprir a vinculação. Existe até dúvida se vão conseguir gastar tudo isso, o que pode elevar o empoçamento (gastos previstos e não realizados).

A contenção extra de gastos ao longo do ano ajuda?

Aumenta a contenção de R$ 15 bilhões para cerca de R$ 47 bilhões. É uma espécie de pré-contingenciamento, com redução de empenhos, que não permite gastar tudo o que está programado. É uma medida inteligente. Ajuda a evitar o comportamento de muitos ministérios que estavam acelerando empenhos para tentar fugir dos cortes de orçamento.

Ajuda na percepção do compromisso de déficit zero?

É a medida mais forte, sinal de maior compromisso do governo como um todo, porque não foi feito só na Fazenda, teve aval da ala mais política. É importante porque ainda se vê, no mercado, projeções de déficit alto. Algumas poucas casas já corrigiram, inclusive descontando o crédito extraordinário para o RS que não vale para o cumprimento da meta. Deve gerar, nas próximas semanas, revisões para melhor do resultado fiscal.

E falta o corte de 2025...

Até o final do mês, o governo precisa encaminhar o projeto de lei orçamentária para 2025. Aí terão de aparecer os R$ 25,9 bilhões de corte, e nas obrigatórias, não nas discricionárias como as deste ano. O mercado reagiu bem, mas quer detalhamento. Não é fácil. O governo anunciou auditoria no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e na previdência.

Será suficiente?

É importante que o governo mostre, a cada mês, estimativas do percentual de fraudes para mostrar o potencial da medida. Há uma boa pista no número de benefícios, que explodiu. Talvez seja necessário um projeto de lei para mudar ou reduzir brechas nos critérios. E ainda há ajustes a fazer no Bolsa Família. Os benefícios unipessoais aumentaram de 2 milhões para 6 milhões depois que o governo mudou a regra em 2021, pouco antes das eleições. Ao longo de 2023, houve redução para perto de 4 milhões. É um indício de que existe muita fraude. Se o número voltasse a 2 milhões de beneficiários unipessoais, representaria só aí uma economia anual de R$ 14 bilhões. Pode ser que não se consiga reduzir tanto, mas é para mostrar como é relevante. E esse tipo de redução de gasto é importante porque não ocorre uma vez só, é permanente da despesa.

Haddad diz que há estudo para desvincular despesas de saúde e educação. É possível?

Não é preciso desvincular, dá para fazer vinculação mais inteligente. Vincular despesa a receita é ruim. Coloca no orçamento a volatilidade da receita e prejudica o planejamento plurianual. E se saúde e educação acompanham, enquanto as demais estão limitadas a 70% do aumento da receita, vão espremer as discricionárias. Isso pode levar a uma situação semelhante ao shutdown dos Estados Unidos, ter de descontinuar serviços públicos. Na prática, a vinculação inviabiliza o próprio arcabouço fiscal. Não é um tema urgente, mas precisa se pensar agora porque depende de emenda constitucional.

Isso não foi percebido?

Nós alertamos, no Ibre. Mas ignoraram.

Qual seria a vinculação mais adequada?

O ideal seria desvincular de ciclos econômicos. Uma das formas seria definir um gasto real per capita, definir um piso e poder corrigir pela inflação, talvez até com algum crescimento real. Seria uma vinculação mais inteligente. Ao usar gasto per capita, já se restringe porque não se leva em conta toda a população. Daria muito maior previsibilidade plurianual. _

GPS DA ECONOMIA

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