22 DE OUTUBRO DE 2022
J.J. CAMARGO
A SALA DE AULA, UM LUGAR SAGRADO
O que há lá? Esta é uma pergunta dispensável, porque quem já passou por ali sabe bem, mesmo que não consiga explicar. E com quem não passou, não perca tempo, ele não vai entender.
Cada professor, do seu jeito, constrói sua história, em que afeto e gratidão se misturam com uma intensidade própria e única.
Convidado para ministrar uma palestra sobre morte encefálica e doação de órgãos, em um colégio particular, encontrei a diretora da escola, uma velhinha encurvada, sorriso quase triste, como fachada de uma vida serena e amorosa, dedicada a uma juventude que ela seguiu amando, mesmo depois de sacudida por novos conceitos conflitantes com seus padrões pedagógicos.
Nunca se chateou com isso. Pelo contrário, em cada relação tumultuada, assumia com naturalidade que ela, com a experiência de décadas, tinha muito mais condições de restabelecer o equilíbrio afetivo do que aquele pobre adolescente que nem tinha percebido que não é por acaso que arrogância rima com ignorância.
E então, com talento e delicadeza de uma veterana escultora de almas brutas, ela se debruçava em cuidados e mimos para descobrir a espessura da camada de afetos negligenciados, certamente responsável pela desconfiança reativa a qualquer expressão de carinho.
"E foi assim que passei a vida colecionando diamantes, alguns tão maravilhosos, que por causa deles ainda não consegui abandonar a escola, mesmo depois de tantos anos, que garantiriam com sobras a aposentadoria", ela me disse.
Segredou-me que nos últimos anos vinha sofrendo pressão da sua família, que não entendia porque ela tinha que se submeter aos caprichos de uns rebeldes, de uns mal educados. "Uns capetas mal criados", assegurara uma filha. "Não consigo convencer meus filhos que, para mim, eles podem ser uns pestinhas, sim, mas são diabinhos muito inteligentes e são maravilhosos quando consigo convencê-los de que eu preciso muito do carinho deles. O problema é que, às vezes, eu não consigo, e então fico tão mal, que nem quero ir para casa!"
Foi inevitável compartilhar com ela o fascínio de ser professor, que muitos, mesmo com anos de magistério, nunca se expuseram à descoberta, e sem saber o que perderam, festejam a aposentadoria com a alegria de quem abandona o cárcere depois de longo tempo de reclusão.
Em retribuição, repeti a ela a minha história preferida, que contei durante uma aula há uns 10 anos: a de uma garotinha transplantada, que ligava para o consultório, no meio da tarde, só pra dizer: "Tio, tô com saudade!". Naquele dia, quando a aula terminou, uma aluna me disse, muito emocionada: "Professor, eu lhe prometo que vou ser uma médica tão boa, mas tão boa, que um dia meus pacientes haverão de ligar só pra dizer que estão com saudades minhas!".
Quando nos despedimos, com reminiscências repartidas, a minha anfitriã tinha no olhar a paz dos confessionários. E eu, a alegria de ter encontrado alguém capaz de compartilhar, na plenitude, a magia desse encanto.
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