19 DE OUTUBRO DE 2022
CARPINEJAR
Perdão, Seu Jorge
Grêmio Náutico União é o clube da minha vida. Desde a infância, frequento as suas piscinas e as suas áreas esportivas. Minha mãe tinha título, e assumi um outro título quando me casei, para estender o benefício aos filhos e à esposa.
É no laguinho da sede do bairro Petrópolis que me recolho para escrever as minhas crônicas, entre tartarugas, peixes prateados e quero-queros. Trata-se de meu escritório a céu aberto, onde faço stories e relaxo junto ao verde. Encontro paz e tranquilidade para caminhar por dentro de mim enquanto associados dão voltas pela pista atlética.
Meu paraíso foi maculado seriamente com ataques racistas sofridos pelo cantor Seu Jorge na noite da última sexta-feira, em show com cerca de 800 pagantes. A Polícia Civil investiga o caso.
Era uma festa comemorativa do União, celebrando e entregando as reformas da instituição.
Conheci o artista no camarim da Ana Carolina, em ocasião de um espetáculo que fizeram juntos. Ele é de uma delicadeza educada, ímpar. Dedicado ao afeto, olha nos olhos e se preocupa com o que você diz. Não é nem um pouco afetado, tipo celebridade arrogante. Ele me abraçou apertado como se eu fosse seu amigo antigo, e já fiquei desde então devedor da cumplicidade.
Além de uma voz absolutamente linda, tem o temperamento calmo de um rio, onde é possível pescar fartas risadas e histórias.
O racismo é um crime injustificável. Uma boçalidade dos pântanos do inferno. Não há atenuantes. Não há desculpas. Não há exceções. Não adianta mitigar o caso dizendo que o cantor representa a esquerda, ou que é favorável ao candidato Lula, nem associando-o ao personagem Carlos Marighella, que ele interpretou no cinema, no filme de Wagner Moura.
Racismo é racismo, e deve ser extirpado do mapa da convivência dentro e fora de casa. A vítima não pode nunca ser culpada pelos ataques que recebeu como se ela tivesse provocado, independentemente de estilo musical, sexo e credo.
O que testemunhas relatam é que parte da plateia começou a gritar "uh, uh" no final do espetáculo, no momento que seria da consagração do bis, imitando movimentos de macaco e completando com ofensas de "negro vagabundo".
Se essas pessoas fazem tal coro repugnante em público, só imagino o quanto são preconceituosas no recato de seus lares. Cabe ao Grêmio Náutico União ajudar na identificação dos agressores para arcarem com as punições judiciais dos seus atos. Uma vez sendo sócios, que lhes seja negado definitivamente o uso das dependências.
O próprio artista chegou a desabafar com uma cordialidade que é inata e que só dói mais em mim (porque, pela primeira vez em minha história, senti vergonha de ser porto-alegrense): "Não era a cidade que eu reconheci, a cidade que eu comecei a amar e respeitar. Não era a cidade que eu conhecia".
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