24 DE OUTUBRO DE 2022
ARTIGOS
DOUTOR, EU NÃO FALO A SUA LÍNGUA
A linguagem é um dos elementos de identidade mais consistentes numa cultura, mas também é uma das formas de estratificação social e, nesse contexto, apresenta potencial para se transformar num mecanismo de poder - por meio da concentração do saber - e num distanciador poderoso entre as pessoas. Se é um processo de mão dupla e produz ação, como dizem os teóricos da linguagem como processo dialógico, ela também pode produzir apatia, desconforto e sentimento de não pertencimento.
Esse pressuposto nos permite analisar o discurso jurídico como perpetuador da desigualdade produzida pelo uso da linguagem. A igreja católica, por exemplo, abandonou o latim da sua liturgia há mais de 50 anos. Já o Poder Judiciário brasileiro, além de priorizar o uso de linguagem técnica e rebuscada, mantém o uso de expressões em latim, em total dissonância com a realidade dos seus jurisdicionados, os cidadãos brasileiros. Ora, se o acesso à Justiça é um direito constitucional, como garantir a efetivação deste direito se a comunicação entre a jurisdição (Poder Judiciário) e o jurisdicionado (cidadão) não se efetiva?
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou um guia de linguagem simples. O material, que está sendo distribuído para comarcas de todo o Estado do Rio Grande do Sul, traz uma série de orientações sobre como simplificar a linguagem utilizada, tanto interna como externamente, a fim de facilitar a compreensão dos atos e das decisões e promover inclusão social, transparência e cidadania.
São pequenos, mas importantes passos para que o Poder Judiciário desça do seu pedestal e passe a falar de igual para igual com o cidadão. E para isso, é preciso entender que a concretização do direito à Justiça pressupõe acesso; acesso pressupõe comunicação; comunicação pressupõe que se utilize a língua, um dos principais códigos da linguagem, de forma que se consiga fazer entender. E não é em latim que isso vai acontecer.
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