segunda-feira, 31 de outubro de 2022


ELEIÇÕES 2022

Bolsonaro amarga derrota inédita na redemocratização

Pela primeira vez desde a reabertura política do Brasil, um presidente é superado na votação e não consegue a reeleição

O presidente Jair Bolsonaro (PL) batalhou com as armas e estratégias disponíveis, mas não foi reeleito. Fez 58,2 milhões de votos, 2,1 milhões a menos do que seu arquirrival, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Até o fechamento desta edição, o Bolsonaro não havia se manifestado sobre a derrota nas urnas.

Ele buscou, mas não conseguiu, um feito inédito desde a redemocratização do país, nos anos 1980: virar a eleição, após chegar em segundo lugar no primeiro turno. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu na primeira etapa, em 1998, enquanto os petistas Lula e Dilma Rousseff chegaram à fase complementar de votação, em disputas posteriores, como primeiros colocados. Ambos conseguiram confirmar o favoritismo.

O revés de Bolsonaro tem gosto de derrota para um gigantesco segmento de brasileiros: conservadores que prezam valores familiares tradicionais. Nesse público, temas como drogas, aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo pesam muito na hora definir o voto. Gente que se sente profundamente insegura com a criminalidade e acredita que o direito de se armar e uma polícia vigorosa podem lhes propiciar segurança. É a perda de poder de um eleitorado importante, num país dividido não apenas em termos ideológico-programáticos, mas geográficos e religiosos.

Essa fatia dos brasileiros deu base a Bolsonaro, que acrescentou outras polêmicas no radar do seu eleitorado. O presidente, sem apresentar provas, colocou em xeque o sistema eletrônico de votação por meses.

A tese foi reforçada por discrepâncias entre as estimativas das intenções de voto feitas por empresas de pesquisa e os resultados do primeiro turno. E o suposto boicote de rádios a inserções da propaganda bolsonarista no segundo turno, acusação feita por Bolsonaro nos últimos dias. A irregularidade foi rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desgaste

As suspeitas levantadas ajudaram a manter os simpatizantes mobilizados.

- Com certeza, esses erros nas pesquisas e suposto boicote de inserções de propagandas eleitorais deram mais vigor às conspirações de fraude. Isso não aumentou o voto em Bolsonaro, mas estimulou ainda mais a contestação do resultado - assinala o cientista político Paulo Sérgio Peres, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O que ninguém esperava era que a oposição havia aprendido a usar as mesmas armas de bolsonaristas nas redes sociais. Duas semanas antes da votação, surgiu em perfis lulistas o primeiro golpe: um vídeo no qual o presidente dizia a frase "pintou um clima", ao tratar de jovens venezuelanas de 14 anos, que avistara na periferia de Brasília.

Bolsonaro supunha que elas estavam se prostituindo. Em pouco tempo, o deputado federal André Janones (Avante-MG) e a presidente do PT, Gleisi Hoffman, espalhavam a história - eram meninas que participavam de uma ação social patrocinada por uma entidade.

A campanha acusou o golpe. Bolsonaro fez uma live na madrugada do dia 16, um domingo, para desmentir o assédio às garotas. Depois, veio o momento de maior desgaste, segundo integrantes da campanha: o vazamento da intenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desatrelar o salário mínimo da inflação. O caso foi classificado como "desastroso".

Nem mesmo a divulgação de 22 promessas na véspera da votação foi suficiente para reverter o cenário apresentado pelas pesquisas. Nas redes sociais, no sábado, Bolsonaro reciclou boa parte das propostas de campanha, como a redução da maioridade penal e o excludente de ilicitude para policiais, além da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos e o adicional de R$ 200 para beneficiários do Auxílio Brasil que conseguirem emprego.

Para tentar seduzir eleitores indecisos e angariar votos dos moderados, o candidato do PL se comprometeu, mais uma vez, a não aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o ofensiva final fracassou. Na página ao lado, veja algumas explicações para a derrota histórica de Bolsonaro.

HUMBERTO TREZZI

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