26 DE OUTUBRO DE 2022
MÁRIO CORSO
Felinos verdes
Reza a lenda que nos espinhos dos cactos haveria uma substância que, quando ele fura nossa pele, nos contaminaria com a "doença dos cactos". A tal enfermidade tornaria a vítima um servo devoto a eles pelo resto da vida. Cuido de cactos e suculentas ao redor de uns 40 anos. Será que isso aconteceu comigo?
Apaixonei-me por estas plantas na adolescência, foi amor à primeira vista. Talvez o apreço venha porque cactos e suculentas (fora as aloés) só sirvam para o deleite. Afinal, o melhor da vida é o que não serve para nada. O domínio do cultivo, especialmente de cereais, mudou o destino da humanidade. Somos gratos às plantas, portanto cultivar as que não são úteis, seria uma forma de reconhecimento à categoria, e também de demonstrar que chegamos à fortuna de plantar por prazer. Esses vegetais estão na gramática do luxo.
O que amamos sempre diz de nós, do que somos, ou das nossas fantasias. Estas plantas, especialmente os cactos, precisam de pouca água, poucos cuidados. Largamos um vaso de cactos em um canto do pátio e um ano depois ele estará lá, sobrevivendo a seu modo. Gosto de me pensar como um cacto, forte, rústico e autônomo, dispensando cuidados e carinhos. Admito, é uma mentira deslavada, um anseio de macho onipotente.
Penso nos cactos como gatos verdes. Você os alimenta e protege, e num descuido, eles te unham. Os cactos e assemelhados são assim, cuidamos e um dia um espinho nos machuca. Como um felino, estas plantas se fazem adorar, nos esnobam, raramente se deixam tocar, e vivem do esplendor de sua beleza e elegância.
É desta longa experiência de amante, vítima e servidor dedicado destes espinhudos que lhes trago conselhos: cactos e suculentas precisam em primeiro lugar de luz. Em segundo, luz. Em terceiro, luz. Depois, de terra adubada e bem drenada e só então de água. A vida nasceu no mar e para sair dele teve que levá-lo dentro de si. O controle hídrico é tudo para os seres vivos. Estas plantas desenvolveram a estratégia de serem seladas, retendo líquido para enfrentar a estiagem. Dê água para elas, mas entre intervalos em que a terra seque. Em certas experiências amorosas menos é mais.
No próximo sábado, despeço-me de uns 50 vasos meus por uma boa causa. Um bazar beneficente para a Fundação de Atendimento de Deficiências Múltiplas (Fadem). Doe e leve um cacto. Mais informações no Instagram: @cactus.cafepoa
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