A VASILHA
Outro dia coloquei uma vasilha de ração e uma de água num canto arborizado de uma praça para os bichos da rua. Ficou um acordo tácito entre os moradores de colocar alimento sempre que necessário. Quando voltei para botar mais ração, vi uma senhora bem vestida descer de um carro bom, pegar a vasilha e levar embora. Nem tive tempo de fazer um vídeo ou falar com ela e lá se foi minha vasilha.
Na hora fiquei com raiva porque não dá pra entender uma pessoa, sem a menor necessidade, fazer uma coisa dessas. Aí fui caminhando e lembrei de dois tipos de seres humanos: os sacadores (takers) e os doadores (givers). Existem pessoas que vieram para doar porque acreditam na abundância e os que só pensam em tirar, acreditam na escassez.
E por uma lei do Universo, aquilo que a gente acredita vai nos acompanhar pelo resto da vida. A sua visão pode trazer escassez ou abundância pra sua realidade. Existe gente que espalha orquídeas nas árvores da rua para deleite de quem passa. E gente que passa e arranca essas orquídeas, que vão morrer em breve em algum vaso.
Numa rua aqui perto, alguém colocou na calçada um banco, pedras com uma pequena fonte, plantas ornamentais e? música! Ainda não descobri quem fez isso, mas gostaria de passar lá e agradecer. Essa música suave toca o dia inteiro dando alegria para quem passa e cria um lugar sereno pra se sentar.
Por sorte ninguém levou nada. Fiquei pensando na mulher da vasilha e perguntando: por que ela fez isso? Roubar a vasilha de um animal da rua certamente não faz a menor diferença na vida dela, mas faz muita na dos bichinhos. Só posso entender como o gesto de uma taker que acredita na escassez. Um gesto de maldade.
Um conceito comum diz que ninguém é bom ou ruim, somos todos um pouco de tudo. Com o tempo, passei a discordar disso. Hoje acredito que pensar assim justifica uma série de ações pequenas e grandes que prejudicam alguém ou muita gente.
Fazer o que é certo e o que é errado é uma escolha deliberada. Uma posição que tomamos na vida diante de nós mesmos. Mesmo que ninguém me veja ou saiba que fiz uma ação do mal, eu sei. E isso é suficiente. Isso se chama consciência.
Cada vez que você decide, você escolhe. Roubar uma vasilha de um bicho de rua não é tão grave quanto matar um morador de rua, mas todas as ações residem no mesmo território, depende do quanto você avança nele.
Todos os dias vemos no noticiário coisas hediondas e na maioria provavelmente impunes. Tantas vezes perguntamos como alguém chega a esse extremo de maldade e o quanto se sente mortificado e arrependido pelo que fez. É surpreendente quando não existe arrependimento e a pessoa justifica com sua razão o que fez e o que causou. Cria uma lógica interna que só reforça a atitude que tomou.
A desconexão com os outros e com o sofrimento alheio, a absoluta falta de empatia, a frieza e indiferença são sintomas dos psicopatas. A escolha do mal começa nos pequenos gestos, nos pequenos sentimentos e se alastra. E é com essa escolha que cada um determina não só o seu caráter, mas o seu destino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário