domingo, 5 de setembro de 2021


04 DE SETEMBRO DE 2021
JULIA DANTAS

FINANÇAS PESSOAIS DA VIDA REAL

Certa vez vi uma postagem no Twitter que dizia mais ou menos o seguinte: um bom reality show seria levar uma dúzia de investidores da Faria Lima para viverem numa comunidade periférica recebendo uma renda de um salário mínimo e ver quem consegue chegar antes ao seu primeiro milhão. Não sei vocês, mas eu veria esse programa, e aposto que os participantes não conseguiriam chegar ao fim da temporada sem se endividarem.

Tenho visto alguns "especialistas" dizendo que o brasileiro não está administrando bem suas finanças durante a pandemia. Essa afirmação se deve ao fato de que 72% das famílias brasileiras estão endividadas. É um número recorde, mas é necessário olhar o contexto. A inflação está em quase 9%, os custos básicos de vida (como comida e contas domésticas) aumentaram 33% ao longo do último ano e cerca de metade dos brasileiros vive com R$ 438 por mês. Quer dizer, o brasileiro não é um mau administrador de finanças; o brasileiro está pobre.

Peço aos leitores que ganham mais de R$ 438 mensais (e suponho que sejam todos porque quem ganha menos não vai gastar em jornal) que emprestem trinta segundos do seu dia para pensar como fariam para sobreviver com R$ 438. Eu, que nasci e vivo na classe média que desconhece a fome mas também desconhece o luxo, não saberia nem por onde começar.

Das pessoas endividadas no Brasil, a maioria deve para bancos, culpa dos elevados juros. Ainda assim, o brasileiro tenta ser bom pagador: mesmo em 2020, já na pandemia, menos de 5% dos endividados ficaram inadimplentes junto aos bancos (o número aumenta considerando outras dívidas). Talvez por isso o governo não hesite em defender a liberação de mais crédito, crédito para negativados, microcrédito imediato: isso é apenas repassar um problema estrutural do país para os indivíduos. Os bancos também não parecem preocupados, pois só neste ano a concessão média de crédito cresceu 19%.

Esse ano, porém, há um crescente número de pessoas que têm se endividado para cobrir as despesas básicas do dia a dia. Inflação, desemprego e morte na família são os principais motivos que levam a empréstimos. E de onde deveria vir algum auxílio, não chega nada. Cada pessoa que se endivide para comprar comida e depois que se vire para pagar.

Cerca de metade dos brasileiros, ao longo do último ano, fez um novo empréstimo para pagar uma antiga dívida. Enquanto tentam não sujar o nome, as pessoas enfrentam problemas mais graves. Há mais de 117 milhões de brasileiros vivendo em insegurança alimentar. Todos sabemos que administração das finanças pessoais está longe de ser a solução.

JULIA DANTAS

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