segunda-feira, 18 de abril de 2011



18 de abril de 2011 | N° 16674
FABRÍCIO CARPINEJAR


O quase é tão cheio de tudo

Aquele que não foi amado é o que mais ama.

É o menino que nunca beijou, distraído na sala de aula, capaz de descobrir a direção do vento observando os pelos loiros do pescoço da colega.

É a menina que tem uma única dúvida: até quando devo estender a língua em outra boca? Sem pais, sem professores, sem amigos para perguntar uma coisa dessas.

É o jovem de topete, fingindo que não é virgem no recreio, mas que ainda dorme com o travesseiro entre as pernas.

É a jovem ruiva que se excita andando de bicicleta e engolindo vento.

É o velho na janela que somente conheceu putas.

É a velha vizinha dele que gostaria de ter sido puta.

Os tímidos, os feios, os recalcados, os lindos, os arredios, os brabos; fico pensando em quem silencia suas vontades para não incomodar e têm o silêncio cheio de tremores.

Aquele que ama sem ser amado é o que mais ama.

É a secretária louca pelo seu chefe e que passará a vida anotando recados da esposa dele (há o que confessa a verdade pelo ciúme, e o que guarda toda a verdade na inveja).

É o adolescente que pede para o ônibus encher e assim esbarrar na moça de colar de pérola (há o que consegue puxar conversa, há o que espera ser empurrado).

É o professor que teve uma única namorada e desvia o olhar dos casais se abraçando nas praças (há o que levanta a cabeça com orgulho, há o que baixa de tanto que deseja).

É a faxineira que cuida do vestido da patroa, prende no cabide e não se aguenta: coloca a peça sobre os seios rapidamente temendo que alguém entre (há o que exibe seu corpo, há o que se encolhe para receber outro corpo).

É a casada que anseia jantar uma noite fora para usar de novo o par de brincos do casamento. É o homem que não faz barba para esconder as acnes e as marcas da adolescência.

Ai, como dói quem espera amar. Quem dedica uma vida à disciplina da paciência, torcendo para o sexo melhorar o casamento, torcendo para o casamento melhorar o sexo, torcendo para que o marido não fique bêbado ao menos uma vez, torcendo para que a esposa não reclame ao menos uma vez, dormindo e esquecendo a tristeza, acordando e repondo a esperança, aqueles que resistem e talvez envelheçam sem completar seus sonhos, que respeitam as pequenas alegrias porque podem ser as únicas, que não decidiram se diminuem a expectativa para sair da solidão ou aumentam as exigências para justificá-la.

Como eu amo quem se importa em amar, apesar de tudo. Apesar de tudo.

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