sábado, 30 de abril de 2011



01 de maio de 2011 | N° 16687
DAVID COIMBRA


Lendas do Gre-Nal

Seu nome era Black. George Black. Foi ele quem pela primeira vez cabeceou uma bola no Rio Grande do Sul. Era um Gre-Nal, a bola de couro veio alta na área do Inter, Black saltou feito um cabrito montês e, como um cabrito montês, desferiu-lhe uma testada. Gol do Grêmio. Ou não? Valia aquilo, de botar a cabeça na bola? Os colorados protestavam, diziam que cabeça não podia. Os gremistas juravam que podia. O juiz parou o jogo, ficou discutindo, indeciso. Marcava falta ou dava o gol? Parece que aquele Gre-Nal terminou em briga.

Com Fernandão, cabeçada valia. E como! Fernandão era de uma linhagem de cabeceadores, gente da estirpe de um Escurinho, de um Jardel, de um Bodinho, de um Neca. Estreou marcando gol de cabeça em Gre-Nal, justamente o milésimo gol da história do clássico.

Mas Fernandão tinha um segredo: uma placa de platina implantada na testa. Dizem que era de propósito. Não foi acidente nem nada, Fernandão mandou um médico blindar sua testa para com ela dar verdadeiros chutes na bola e assim se consagrar como maior cabeceador dos tempos modernos do futebol. Será verdade?

O Aírton não tinha o crânio reforçado por metal, mas, num único Gre-Nal, cabeceou 40 bolas na área do Grêmio. Quarenta! Os jogadores do Inter cruzavam, ele saltava mais do que todo mundo e, numa chicotada impulsionada pela nuca, mandava a bola lá para o meio do campo. Saiu do jogo com a cabeça roxa e inchada, os ouvidos zunindo, mas com o seu gol intocado como uma noviça.

Já o Carlitos tinha uma estratégia para paralisar os zagueiros do Grêmio nas bolas aéreas. O Carlitos era pequeno, menos de um metro e setenta. Mas jamais, em tempo algum, alguém fez tanto gol em Gre-Nal. E gol de cabeça.

Porque, quando a bola vinha batendo asas do ângulo do escanteio, o Carlitos se posicionava solertemente atrás do zagueirão. No momento em que ela fazia a curva para aterrissar na grande área, Carlitos espetava o indicador em riste exata, precisa e cruelmente no esfíncter do adversário, que, atacado assim à traição, transformava-se em estátua de sal, imóvel e inofensivo, permitindo que o atacante do Inter testasse carinhosamente a bola para o gol.

Agora: nunca uma bola veio de tão alto, na história dos Gre-Nais, como aquela daquele clássico nos anos 40. Os organizadores da festa decidiram fazer uma promoção: pouco antes da partida, um teco-teco sobrevoaria o estádio e largaria, lá de cima, uma bola no meio do campo. Com aquela bola egressa do firmamento seria jogado o jogo. E lá estava o aviãozinho fazendo barulho, como se fosse o Enola Gay sobrevoando Iroshima, e os jogadores no solo, posicionados, esperando pelo seu instrumento de trabalho. Então o piloto deixou a bola cair.

Ela veio zunindo de mais de cem metros de altura, veio que veio com a velocidade aumentando a cada metro, transformada num míssil. Do solo, o centromédio do Inter, o argentino Felix Magno, calculou a trajetória e se preparou.

Quando a bola ia chegando, ele a aparou de cabeça. Foi como se tivesse aparado um cofre. Felix Magno desmaiou no ato, os jogadores correram para acudi-lo. Minutos depois, acordou nos braços de Carlitos e balbuciou:

– Tchê, gurizito, estoy mareado...

Avião era coisa rara na cidade. Foi por isso que todos olharam para o céu, todos, juiz, jogadores e torcida, todos ergueram os queixos quando um aviãozinho passou sobrevoando o campo dos Eucaliptos num importante Gre-Nal de 1935. Todos, menos um: o ponta Castilho, do Grêmio, que estava com a bola no pé. Ele aproveitou a distração geral e chutou para o gol. O Grêmio venceu por 1 a 0 no que entrou para a história como o Gre-Nal do avião.

Verdade. Juro.

Mas, ainda que nem tudo disso tenha sido verdade, vale a história. O que conta é a lenda. O que conta é a mística do Gre-Nal.

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