sexta-feira, 15 de abril de 2011



15 de abril de 2011 | N° 16671
DAVID COIMBRA


Carrie, a Estranha

Você já deve ter visto Carrie, a Estranha, bom filme de Brian de Palma. Sissy Spacek interpreta uma garota chamada Carrie, que é, bem, estranha. Veste-se como uma anciã, não tem amigos, vive isolada num casarão com a mãe fanática religiosa. Por conta de sua esquisitice, como todo adolescente esquisito, Carrie torna-se vítima de bullying na escola. Os outros caçoam dela e a perseguem.

No final do filme, a turma do colégio lhe impinge um superbullying. Carrie é humilhada diante de todos. Mas eles não contavam com seus poderes telecinéticos. Em vez de empunhar uma pistola e sair matando os colegas, ela usa suas faculdades paranormais a fim de encerrá-los num salão de baile no qual toca fogo, sempre com a força da mente. Morrem quase todos no incêndio, Carrie inclusive.

Contei o fim do filme, mas você provavelmente não se surpreendeu: o roteiro é o mesmo do caso do psicopata de Realengo e de tantos outros pelo mundo afora. O interessante aí é que Carrie é uma produção de meados da década de 70.

O que desmente aquela autoridade que concluiu com a seguinte frase um estudo sobre violência escolar publicado há pouco: “O bullying é um fenômeno do nosso tempo”. Não é. O bullying sempre existiu. O que não existia era esse belo nome em inglês.

Os adolescentes praticam bullying uns com os outros por necessidade natural. Eles estão vivendo a fase gregária da vida. Começam a contestar os pais e seu sistema de vida para tentar descobrir sua própria identidade, a identidade da sua geração. Eles precisam se identificar com um grupo, precisam se unir, e a melhor forma de união de um grupo é excluir alguns outros, é definir indesejados.

Em geral, os que não se parecem com os membros do grupo. Transformar alguém em alvo de perseguição é um delicioso agente de união. É como dizer: nós não somos igual a ele; ele é um idiota, nós não. O bullying, portanto, sempre existiu. O que não existia antes dos anos 70 de Carrie, a Estranha, eram dois fatores:

1. Os adolescentes não tinham acesso tão amplo às armas de fogo.

2. Os adolescentes respeitavam os professores.

Antes, um professor podia identificar e reprimir o bullying. Agora, os professores às vezes são vítimas de bullying.

Por quê?

Por vários motivos. O principal deles é que os pais dos alunos não respeitam os professores. Se um professor reprime um aluno, corre o risco de ser processado pelos pais. A reação do pai é, sempre, a de procurar o erro no professor, nunca no seu filho.

E o que aconteceu para que pais de repente passassem a desrespeitar os professores?

Não foi de repente. Começou pouco antes da época de Carrie, depois da II Guerra Mundial, quando toda autoridade passou a ser contestada num processo semelhante ao que ocorre com os adolescentes. Era necessário mudar o mundo feito pelos pais do século 20. Não podíamos ser os mesmos e viver como nossos pais, como temia o Belchior.

O dilema do Estado moderno, da família moderna e da escola moderna é exatamente esse. Ter autoridade sem ser autoritário. Punir sem ser cruel. Reprimir sem ser repressor. Incentivar a independência, não a permissividade. Ser livre sem ser individualista. É muita sutileza para uma sociedade tão pouco sutil.

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