sábado, 23 de abril de 2011



23 de abril de 2011 | N° 16679
CLÁUDIA LAITANO


Presentes no presente

Um dia, no futuro, nossos netos talvez se refiram à época atual como a Idade da Imagem Inútil.

Obrigados a lidar com toneladas de arquivos digitais deixados pelos pais e avós nos mais diferentes e anacrônicos formatos, muitos deles condenados a permanecer encalhados no universo virtual para o resto da eternidade, a geração registrada em 3D antes mesmo de nascer talvez um dia se pergunte por que, afinal, se fotografava tanto (e tão sem critérios) no começo do século 21.

Como todo mundo hoje tem uma câmera no bolso, fotografar e ser fotografado já não exige a solenidade do momento especial. Fotografe agora, pense depois.

Acrescente-se à facilidade tecnológica o receio de que a vida não registrada se perca se não for captada em 10 megapixels, e está instaurada a mania de engarrafar sensações para degustar, com calma, no futuro – já que, para aproveitar a vida agora mesmo, a gente anda meio sem tempo...

A memória, com todas as suas deliciosas imperfeições, e o afeto, com seu poder incomparável para conservar o que é importante e deletar o que não é, já não parecem repositários confiáveis para as grandes e pequenas experiências cotidianas.

Transformar o filho em microcelebridade (qualquer criança de 10 anos hoje já foi mais fotografada do que, sei lá, Marilyn Monroe, em toda sua carreira de estrela) é uma escolha particular. Em ambientes públicos, no entanto, a mania de fotografar cada movimento de um artista pode ser tão inconveniente quanto um carro testando a potência dos alto-falantes na beira da praia.

Às vezes, o vizinho que grava o show inteiro (para voltar a assistir sabe-se lá quando...) ou tira fotos sem parar não percebe como a movimentação e a luz da tela, dependendo do ambiente e do artista, pode atrapalhar quem está ali apenas para aproveitar “aquele” momento – sem se preocupar em guardá-lo para daqui a dois dias ou 10 anos ou para postar no Facebook.

Diante desse fetiche cada vez mais onipresente pelas imagens, o sorriso “para as câmeras” se naturalizou . Há uma pose para cada flash, e tornaram-se raros os momentos em que assistimos a cenas de emoção genuína na TV sem que os personagens em ação pareçam estar atuando para a posteridade.

Nessa época em que tudo parece existir para ser visto depois, chama a atenção a simplicidade do programa Chegadas e Partidas (quartas, 21h30min, no GNT), que narra pequenas histórias de encontros e separações em aeroportos. Até aí, nada demais.

O surpreendente é que aquelas pessoas, esperando um filho ou se despedindo de um grande amor, estão tão envolvidas com o momento, que nem mesmo as câmeras de TV ou as perguntas da entrevistadora distraem seus olhares da porta onde alguém muito querido pode aparecer a qualquer instante.

Outro detalhe curioso: nenhum dos envolvidos parece interessado em fotografar esses momentos. Estar ali é o que importa – e essa presença integral no presente é o que torna o programa tão delicadamente comovente.

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