terça-feira, 19 de abril de 2011



19 de abril de 2011 | N° 16675
CLÁUDIO MORENO


A idade de madame

Madame de Rémusat, dama de companhia de Josefina, foi uma privilegiada observadora da corte napoleônica, descrita em detalhe nos três volumes de suas memórias. Não era especialmente bonita e vestia-se, no dizer maldoso de uma amiga, apenas com a elegância necessária para a função que desempenhava.

Em meio de tantas beldades que voejavam em torno da corte francesa, teria passado despercebida não fosse a vivacidade de seus olhos negros e inteligentes, que deixavam sua fisionomia iluminada e impressionavam a todos que falavam com ela.

O próprio Napoleão, conhecido por tratar o mundo feminino com indisfarçada impertinência, apreciava muito sua companhia, elegendo-a, inclusive, como sua parceira favorita para o jogo de xadrez.

Sainte Beuve, em seu livro sobre as damas notáveis do século 19, considera Madame de Rémusat a mulher que melhor soube conversar com Napoleão e com seu ministro Tayllerand. Nas páginas que dedica a ela, enaltece sua sensibilidade, invejando a atitude independente que ela soube manter diante dos personagens mais poderosos de seu tempo.

Como não chegou a conhecê-la pessoalmente, descreve-lhe os traços a partir do único retrato que nos restou dela, uma miniatura a óleo pintada por autor desconhecido, e o comentário que faz sobre sua aparência física é francamente elogioso – encerrado, porém, com uma observação trágica e ao mesmo tempo surpreendente: “Aqui se vê que ela não perdeu sua aparência de jovem, pois está com trinta e dois anos, mas parece ter só vinte e oito”.

É surpreendente porque nos parece impossível que alguém consiga distinguir uma mulher de 28 de uma de 32 sem recorrer ao documento de identidade. Afinal, vivemos num mundo em que a obsessão pela eterna juventude fez surgir um fantástico arsenal de recursos médicos e farmacêuticos contra o envelhecimento, tão eficientes que praticamente – excetuados, é claro, os casos extremos – tornaram imprecisos, para quem olha à distância, os limites entre as idades.

É trágica, por sua vez, porque nos lembra que há momentos na História em que a vida é tão curta que a mais ínfima parcela de tempo tem seu valor aumentado no cômputo geral da existência.

Quatro míseros anos não fazem muita diferença para nós, que já vamos sonhando com uma humanidade centenária; não é difícil entender, contudo, por que, na época de Sainte Beuve, quatro anos a mais podiam anunciar o adeus à juventude: Madame de Rémusat morreu com 41, acima da média de seu tempo, três anos depois de se tornar avó.

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