sexta-feira, 29 de abril de 2011



29 de abril de 2011 | N° 16685
ARTIGOS - Marcelo Victor*


Quintana e a internet

Reza a lenda que os alegretenses resolveram homenagear o filho da terra Mario Quintana colocando um bronze na praça central da cidade. Ele, que parece que tinha lá suas diferenças com os conterrâneos, elegantemente declinou do convite, mas não escapou do bronze: “Agradeço a vocês, mas um engano em bronze é um engano eterno”. E essa bela frase lá está, na Praça de Alegrete, um engano involuntário do próprio Quintana, eternizado.

O bronze e o mármore já foram os grandes guardiões da eternidade. Reis e imperadores tentavam permanecer por meio deles, e nada parecia mais imortal do que esses monumentos através dos séculos. Hoje, frente à fúria dos vândalos, à depredação dos parques e ao descaso das autoridades, descobrimos que o bronze e o mármore também podem morrer.

Muitos monumentos da Redenção, em Porto Alegre, e de muitos outros parques por todo o país estão mudos e dementes, não dizem mais nada porque levaram suas frases, seus bustos e seu sentido. Juntaram-se à precariedade da carne, para o desgosto dos poderosos, mas também dos apreciadores da História, da beleza e dos parques.

A eternização dos enganos e dos acertos foi transferida para um veículo inesperado porque aparentemente precário, a internet. Toda, ou quase toda a produção cultural da humanidade já está lá. Nossos grandes acertos, nossa ciência, nossa arte e literatura, tudo.

A fotografia e a imagem, que já foram consideradas frágeis e superficiais, são hoje o veículo preferencial que o indivíduo comum utiliza para alcançar a posteridade. Com a proliferação das câmeras em celulares e dos computadores, nunca houve tanta oportunidade para a exposição pessoal.

E com isso vieram novos problemas. O que parecia um grande aliado do nosso narcisismo pode rapidamente transformar-se em desgraça permanente. Porque as imagens e escândalos capturados pelas câmeras são indestrutíveis na internet, superando em muito o duro bronze e o alvo mármore. O que se faz na intimidade nem sempre merece tanta publicidade.

Não sendo reis ou imperadores, conseguimos mais do que muitos deles: permanecer para sempre, ao menos enquanto houver um futuro tecnológico e uma civilização de computadores, eternizados. E talvez não por nossas façanhas, mas pelos nossos erros e bobagens. Isso é especialmente relevante para crianças e adolescentes, jogados hoje muito cedo na selva da web sem as devidas precauções e recomendações por parte dos pais.

Nos Estados Unidos, propuseram a troca do nome próprio para com isso descolá-lo de imagens constrangedoras ingenuamente produzidas e divulgadas. Erros adolescentes não seriam então facilmente descobertos por possíveis empregadores. A educação para a preservação da própria imagem é uma necessidade desde a infância ou o início da navegação no mundo virtual. Porque um erro na internet é, esse sim, um erro eterno.
*Psiquiatra

Nenhum comentário: