sábado, 26 de julho de 2008



27 de julho de 2008
N° 15675 - Martha Medeiros


O uso dos palavrões

Não sei o que a craque em elegância e estilo, a adorável Gloria Kalil, pensa a respeito do uso de palavrões. Já li muita coisa escrita por ela, sei o quanto repudia barracos e valoriza a educação, sei que defende a idéia de que ninguém é chique se não for civilizado, mas não lembro de ter lido algo a respeito desse assunto.

É lógico que o palavrão faz parte da cultura popular de qualquer país, por isso, creio que Glorinha diria que o bom senso é que determina quando ele é tolerável e quando é grosseria.

Eu passei minha infância praticamente sem ouvir palavrões dentro de casa. Do meu irmão, muito pouco. Da minha mãe, quase nunca. E do meu pai, jamais. Ele achava feio até mesmo dizer "que saco".

Até que cresci e os palavrões começaram a ser mais bem aceitos, desde que nunca como forma de ofensa e agressão, apenas como manifestações de enfado, raiva e em momentos de descontração e humor. Mas da boca do meu pai, nunca ouvi, até hoje. E é o que basta para esse tema me despertar certo fascínio.

No Brasil, já foram catalogados mais de 3 mil palavrões. Na França, 9 mil. Na Inglaterra existe até o Dicionário de Insultos em Cinco Línguas, o primeiro guia prático destinado a turistas que são obrigados a lidar com bagagens perdidas, reservas malfeitas, café frio, serviço ruim e contas exorbitantes.

Poucos são os que ainda negam a utilidade do palavrão para radiografar uma determinada sociedade, seus costumes e tendências.

Até alguns anos atrás, era de Jorge Amado o recorde de uso de palavrões por um único autor brasileiro, mas creio que esse feito já deve ter sido ultrapassado, pois é um recurso cada vez mais recorrente na nossa literatura, assim como no teatro e cinema.

Aliás, o cinema brasileiro, na década de 70, atormentou nossos ouvidos com o uso indiscriminado do palavrão. Tudo bem que, no auge da repressão, o palavrão era uma resposta ao silêncio, aliviava tensões, funcionava como catarse, mas abusaram.

Hoje ele é usado com mais pertinência e adequação, o que não significa comedimento: filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite seriam completamente absurdos se não reproduzissem fielmente a linguagem das ruas e dos morros.

Eu não ouvia palavrão em casa, mas lia muito Charles Bukowski, então me salvei. Hoje solto meus palavrõezinhos fraternos em situações rotineiras e grito impropérios em momentos de alta-tensão, o que me torna uma pessoa razoavelmente normal. Ainda assim, ainda há uma menininha dentro de mim que se sente desconfortável com exageros e vulgarizações.

Sei que Dercy Gonçalves deu enorme contribuição à cultura brasileira, que teve uma folha corrida de respeito, que era uma pessoa meiga e até moralista: seu desbocamento nada mais era que uma marca registrada para sobreviver no meio artístico.

Compreensível, mas eu não achava engraçado. O uso do palavrão com o único propósito de escandalizar sempre me pareceu mais patético do que escandaloso de fato.

De qualquer forma, é impossível viver sem ele. Então o jeito é não sermos hipócritas, respeitá-lo dentro dos princípios da liberdade de expressão e, de preferência, manter uma certa razoabilidade no seu emprego.

Quando solto algum palavrão mais pesado na frente das minhas filhas, imediatamente peço desculpas. Na presença de pessoas de mais idade, evito a qualquer custo. E diante da Gloria Kalil, nem a pau.

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