terça-feira, 22 de julho de 2008



GREAVES, O QUASE MALDITO

Porto Alegre é uma cidade faceira. Toda hora recebe alguma sumidade artística. Tem para todos os gostos. Faz pouco, veio a linda e espetacular Joss Stone, que só desafinou ao recusar, por desconhecimento, o que a absolve por completo, uma camisa do Internacional jogada pelo público.

Agora mesmo, no Festival de Inverno da Secretaria Municipal da Cultura, o uruguaio Jorge Drexler encantou os seus fãs já encantados. Nesta quarta-feira, no Sesc, será a vez de John Greaves.

O homem, embora pouco conhecido no Brasil, é uma fera. Britânico, tem passado os últimos 20 anos mais em Paris do que em qualquer outro lugar, o que é sempre uma boa credencial. Não pode ter mau gosto quem escolhe Paris para viver.

Foi aí que ele decidiu gravar um disco interpretando versos do poeta maldito Paul Verlaine, o mesmo que abandonou a mulher, isso no século XIX, para namorar o não menos maldito Rimbaud, beirando os 18 anos de idade, em quem deu um tiro e, por essa singela demonstração de amor, teve de passar uma temporada luminosa na cadeia, onde burilou sua veia melancólica, enquanto o seu antigo amor tomava outros rumos, trocando a poesia radical por algo mais pacífico e rentável, o tráfico de armas na África.

Greaves faz rock, jazz, música eletrônica e o que mais se possa imaginar. Fui, a convite do serelepe Ronan Prigent, bater um papo com Greaves no Bistrô do Margs.

Saí de casa com uma questão inevitável: por que Verlaine e não Baudelaire? A resposta só podia ser uma: os versos 'ímpares' de Verlaine se adaptam melhor a ser musicados e cantados do que os alexandrinos de Charles Baudelaire. Um roqueiro erudito. É mole?

Quem gosta de poesia não pode perder essa parada. Fui conferir no MySpace e vi que Greaves não brinca em serviço. Nada como falar de poesia para tornar a vida mais interessante numa segunda-feira. Greaves diz que não mexeu em uma só vírgula dos versos de Verlaine.

Lembrou que alguns o fizeram. Por exemplo, Charles Trenet, numa das minhas canções favoritas, conhecida justamente como 'Verlaine', trocou 'blessent mon cœur' (ferem meu coração) por 'bercent' (embalam).

Nunca é demais recordar que estes extraordinários versos, 'les sanglots longs des violons de l’automne/ blessent mon cœur d’une langueur monotone', a 'mensagem Verlaine', foram difundidos pela BBC em junho de 1944 como sinal do desembarque aliado na Normandia. Esse pessoal, definitivamente, fazia tudo em altíssimo estilo.

O maior elogio feito por grandes jornais como Le Monde e Libération a Greaves é classificá-lo de inclassificável. John canta em francês, língua estranha ao rock, a poesia de um clássico da França. Isso é que é ousadia.

Deu tão certo que até agora nem sequer o seu sotaque foi criticado. O artista gosta de poetas malditos e tem talento para ser maldito. Só não o é, no sentido literal, por serem muitos os seus admiradores contumazes.

Temi que o show de Greaves coincidisse com outro espetáculo poético imperdível, o jogo do Inter contra o São Paulo. Nesse caso, haveria um conflito de interesses de dilacerar o coração. Felizmente, o show de Greaves começa às 20h e termina às 21h30min.

O jogo do Inter começará 15 minutos depois. Não há, portanto, desculpa. Pessoas de extremo bom gosto poderão assistir aos dois. Não há incompatibilidade entre essas duas coisas. Em francês, 'jouer' serve para jogar, tocar, brincar...

juremir@correiodopovo.com.br

Ainda que com chuva e ciclone extra tropical que tenhamos todos uma ótima terça-feira

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