domingo, 20 de julho de 2008



20 de julho de 2008
N° 15668 - Moacyr Scliar


Orquestras e bandas

Sou colega de turma médica e amigo do Dr. Ivo Nesralla há muitos anos. E há muitos anos testemunho sua enorme dedicação à música erudita. Esta paixão o levou à direção da Ospa.

E lá está o Dr. Nesralla, com a mesma dedicação que nós, seus colegas na Faculdade de Medicina da UFRGS, conhecíamos, lutando para não deixar cair a peteca da Ospa.

Não cairá, podem estar certos. Porque Nesralla não está sozinho. Além dos gaúchos que o apóiam, ele tem atrás de si uma tradição histórica, secular, uma tradição que fala por si.

Um concerto de orquestra sinfônica é antes de mais nada um espetáculo grandioso. Não por outra razão este espetáculo era prestigiado por reis e nobres; para eles, grandes nomes da música compunham suas obras - e diante deles e da corte, regiam.

A visão da própria orquestra já é algo impressionante. Ali estão os músicos, dezenas deles, vestidos a rigor, ocupando no palco posições que o tempo consagrou. Eles entram, sob aplausos, eles sentam, eles testam os instrumentos.

Entra o maestro, tradicionalmente uma figura altaneira. Mais aplausos. O maestro assume o seu lugar, batuta na mão. Faz-se silêncio. E, em enlevado, devotado e reverente silêncio, o público ouvirá Bach, Mozart, Beethoven.

O silêncio é fundamental. Público de concerto não tolera pessoas falando ou atendendo o telefone. Não tolera nem pessoas tossindo, mesmo porque, num concerto, tosse é contagiosa; a mal-contida ansiedade de muitas pessoas faz com que ela se propague rapidamente.

Uma vez assisti a um concerto, em Berlim, antes do qual foram distribuídas, gratuitamente, pastilhas contra a tosse (que agiam mais pelo efeito psíquico do que por qualquer outra razão).

A banda é diferente. O concerto da banda é o reino da informalidade, da espontaneidade. As pessoas - jovens, claro - se põem de pé, cantam, dançam, agitam os braços, gritam. A banda é muito menor que a orquestra e nada tem do convencionalismo desta. Os Beatles ainda se vestiam de maneira padronizada, mas isso logo foi abolido.

No palco, as bandas atuais dão a impressão de completa informalidade Só impressão: a parte técnica é cuidadosamente preparada para transformar a apresentação em sucesso. Bandas de sucesso atraem públicos gigantescos e se transformam em verdadeiras lendas.

Agora: vocês já imaginaram um cultor de música clássica num concerto de rock? Ou um punk assistindo a um concerto de orquestra sinfônica? Impossível.

Mas isto não quer dizer que a batalha final tenha necessariamente de ocorrer entre sinfônicas e bandas. Porque ambas correspondem a diferentes, e complementares, facetas de nosso temperamento.

Somos libertários como as bandas, mas somos ordeiros e disciplinados como as orquestras. É a adequada combinação dessas duas coisas que nos torna melhores.

Um dia as orquestras tocarão no palco como se fossem bandas. E um dia as bandas terão a disciplina e a harmonia das orquestras. Quem viver verá.

Agradeço as excelentes mensagens de Fabiane Lisardo, Alberto Oliveira, professora Lurdinha, Fernanda Arrua Vares, Léa Japur, Maria Inês Wust, Franklin Cunha, Eduardo Ritter, Ângela Pucinelli, Airton Fischmann, Maria Morales, Dalva Molon, Leila Weber,

Volnei Borba Gomes, Cesar Gavillon, Claudio Barreto Vianna, que abordaram, com brilho e sabedoria diferentes questões. ZH é grande, porque soma a grandeza de seus colaboradores com a grandeza dos leitores.

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