quarta-feira, 30 de julho de 2008



30 de julho de 2008
N° 15678 - Sergio Faraco


O velho e bom silêncio

Durante muitos anos ouvi pouco, sempre resistindo à idéia de incrustar na caverna do ouvido um invento que não nasceu comigo, estranho, portanto, às especificações técnicas programadas para meu modelo pelo Criador do Céu e da Terra.

Mas havia um problema. Em lugares públicos e com ruídos de fundo, dificilmente ouvia meu interlocutor. Imagina, por exemplo, a Feira do Livro de Porto Alegre, e lá estava eu a cavaquear com alguém. Cavaquear é força de expressão.

A voz daquele alguém sucumbia no bulício e então o que ele ouvia de mim como resposta era um "claro", ou um "tens razão" ou, se ele se mostrava mais veemente, um admirado "bah". Em casa, minha mulher perguntava:

- E a feira? - Movimentada. - Quem estava lá?

- Conversei com o Fulano e o Beltrano. - Sobre o quê? - Não sei.

Pressionado pela família, pelos amigos, comprei o invento. Uma fortuna que desbarrigou meu cofrinho de porco e ainda precisei voltar semanalmente à loja para regular o bruto. Eu ouvia tudo, menos a voz do outro. Na última vez, dei o ultimato:

- A voz ou nada. Deu certo?

Por um lado, não: continuei ouvindo todos os ruídos e até mais intensos. No instante em que deixei a loja tocou o sino da igreja e tive de me abraçar num poste para não desabar.

Por outro lado, também não. Verdade que passei a ouvir melhor as vozes, mas todos os que falavam comigo pareciam estar dando ordem unida, enfurecidos, e sempre eu tinha a impressão de que meu interlocutor era um sargento.

E surgiu outra questão.

Perplexo com o tumulto das ruas que antes eu captava em surdina - roncos de automóveis, britadeiras, serras, buzinas, martelos, passos, alto-falantes, sirenes, gritos e ladridos de cachorros, além dos lero-leros de ocasião - , comecei a anotar todos os itens e cheguei à triste conclusão de que 90 por cento do que escutava não me aprazia.

E onde não há prazer não há proveito, como ensina Shakespeare. Guardei o impertinente engenho em seu estojo e cá estou a finalizar esta coluna no meu velho e bom silêncio, do qual já sentia muita saudade.

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