quinta-feira, 31 de julho de 2008



31 de julho de 2008
N° 15679 - PAULO SANT'ANA


UMA CONTRADIÇÃO

Pelo que tenho sabido, diminuíram as mortes no trânsito depois da implantação da Lei Seca.

Seja pelo rigor da lei ou pelo rigor na fiscalização que a acompanhou, o que se sabe pela imprensa é que não só diminuíram as mortes no trânsito como também os acidentes de trânsito sem mortes.

Este colunista, que tinha considerado muito rigorosa a nova lei, voltou atrás em face de que o importante é poupar vidas. E se a nova lei tem poupado vidas, repito, seja pelo seu rigor, seja porque as autoridades se sentiram mais prestigiadas e intensificaram a fiscalização, penso deva ser apoiada a nova situação.

Mas há um parlamentar que quer abrandar a lei, o deputado federal Pompeo de Mattos.

Ele me mandou uma mensagem em que estranhamente mostra dados brasileiros e franceses em que o álcool foi encontrado em grande quantidade no sangue de pessoas que foram mortas em acidentes de trânsito em que dirigiam os carros.

Pois se o próprio parlamentar admite isso, como ele quer abrandar a lei? Intrigante. Por que o deputado apresenta na justificativa de seu projeto dados estatísticos contrários visceralmente à sua proposição?

Mas deixo que os leitores façam essa avaliação.

"Prezado Paulo Sant'Ana. Acompanhei com atenção teus textos e comentários sobre a chamada Lei Seca, que tem causado tanta polêmica e provocado debates acalorados. Entendo, Sant'Ana, que excesso de rigor nunca foi sinônimo de justiça.

E, exatamente por considerar exagerada a lei que proíbe o motorista de ingerir qualquer quantidade de álcool, apresentei na Câmara dos Deputados o projeto n° 3.716/2008, que pretende elevar os níveis tolerados da substância no sangue do condutor. Pela proposta, só passará a ser enquadrado pela lei o motorista que apresentar a partir de seis decigramas de álcool por litro (dg/l) de sangue.

Até 12 dg/l, o infrator receberá apenas multa. De 13 a 15 dg/l, o condutor será multado, perderá a carteira de habilitação e terá o veículo apreendido. Caso o índice de concentração de álcool por litro de sangue for igual ou superior a 16 dg/l, ele será preso, além de sofrer outras punições.

Não se trata de fazer apologia da bebida, muito pelo contrário. Quem dirige embriagado e, portanto, põe em risco a sua vida e a de outros, deve ser severamente punido.

Mas, ainda que sejamos contrários ao consumo de álcool pelos condutores de veículos, não é razoável concordar com os termos radicais em que foi colocada a proibição, estabelecendo uma impossível "tolerância zero", que colide com os costumes arraigados de nosso povo, e até com os próprios ensinamentos da medicina legal, que admitem como inócua a ingestão de pequenas quantidades de bebida de álcool, salvo em circunstâncias excepcionais de interação com soníferos ou tranqüilizantes.

Ressalvas precisam ser consideradas. Os romanos, que tinham grande faro para as questões jurídicas, esmaltaram um brocardo sábio e incontestável: 'Summum jus, summa injuria'.

Ou seja: o excesso de dureza do direito determina a injustiça. Não é aceitável que com a dureza da lei se queira inverter os costumes nacionais e transformar todos os cidadãos em abstêmios, consumidores de suco de fruta e refrigerantes.

Levantamento feito pela toxicologista Vilma Leyton, professora da Faculdade de Medicina da USP, no Instituto Médico Legal de São Paulo em 2005, mostrava que 44% dos 3.042 mortos em acidentes de trânsito no Estado de São Paulo ingeriram álcool antes e tinham entre 17 e 24 decigramas de álcool por litro de sangue.

Na França, a aplicação da tolerância zero ao álcool no trânsito foi debatida no ano passado pelos 42 integrantes do Conselho Nacional de Segurança nas Estradas, órgão independente do governo.

A medida foi rejeitada com base em estudos que demonstram que os acidentes mortais são originados por condutores com taxas de álcool muito elevada, entre 16 decigramas e 30 decigramas.

Quanto ao argumento de que a rigidez da nova lei é fator determinante para os supostos índices de redução de acidente, é fundamental atentar para a realidade. O que reduzirá e já está reduzindo a perda de vidas é a fiscalização intensa imposta desde a entrada em vigor da nova lei.

Se a fiscalização tivesse a mesma intensidade de agora durante a vigência da legislação anterior, o resultado seria o mesmo, ou seja, o flagrante contra motoristas embriagados, com a aplicação de multas, apreensão de carteiras de habilitação e prisão de muitos.

Obrigado pela atenção. (ass.) Pompeo de Mattos, deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias".

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