Andarilha assumida, confesso: nada me dá mais prazer do que voltar para casa
Ponto alto do dia é o momento em que jogarei a bolsa em cima da cama e tirarei os sapatos e o sutiã. A hora exata em que viro a chave na fechadura da porta e entro na penumbra do meu apartamento, ele já saudoso de mim e eu dele.
Andarilha assumida, viciada em atravessar estradas e oceanos, autora de quatro livros de relatos de viagens (o esgotado Santiago do Chile e os disponíveis Um Lugar na Janela – vols. 1, 2 e 3), confesso: nada me dá mais prazer do que voltar para casa. E não falo apenas do retorno de férias.
Por exemplo. Estou com minhas amigas íntimas num bar, lembrando cenas inocentes do tempo em que estudávamos no mesmo colégio: namoros ligeiros, fiascos inesquecíveis, o passado sendo reconstituído durante goles de vinho branco, acompanhados de bolinhos de queijo e risadas carnavalescas, o que pode ser mais gostoso? Respondo: a hora exata em que viro a chave na fechadura da porta e entro na penumbra do meu apartamento, ele já saudoso de mim e eu dele.
Caminho pela cidade, idas e vindas. Passo a tarde na rua, cruzo por pessoas, compro alguma bobagem em promoção, me desloco até uma reunião ou consulta médica, paro numa banca de revista. As tarefas resultam satisfatórias, não choveu e entrou um WhatsApp do namorado dizendo que está com saudade. Por fim, o Uber atendeu rápido à minha chamada e o trânsito está fluindo. Perfeito. Estou a uma esquina do ponto alto do dia: o momento em que jogarei a bolsa em cima da cama e tirarei os sapatos e o sutiã.
Viajo para um fascinante país europeu, tempo livre para me deslumbrar e reencontrar amigos, com quem terei conversas genéricas e divertidas. Nenhum motivo para sofrimento, a não ser na hora de selecionar as fotos para as postagens nas redes (tantas!) e zero culpa pelos quilos adquiridos nas refeições em mesinhas na calçada. Melhor dos mundos? Medalha de prata. A de ouro vai para o momento em que, desfeita a mala, abro a geladeira na cozinha, sinto o frio do porcelanato sob os pés descalços, pinço lá de dentro uma uva verde e sirvo o primeiro copo d'água do meu retorno ao lar.
Uma versão sem glamour? Temos. Você não tira férias há seis anos, dedica seu olhar de estrangeira para o próprio bairro em que mora, frequenta a mesma farmácia a fim de comprar os mesmos medicamentos, a mesma padaria que garante o pãozinho quente do fim do dia, e tudo está bem como está, e meio mal também.
Com o cabelo molhado depois do banho, abre a janela da sala (que sempre emperra um pouco), olha para fora, para os mesmos prédios das mesmas ruas que costuma atravessar, e percebe lá embaixo um pedestre entediado, apagando o cigarro com a sola do mocassim e chutando a bituca em direção ao asfalto, onde os carros passam fazendo barulho. Então você lembra que quando acabar o feriado é para a rua que irá retornar, para o cotidiano rés do chão. Mas agora não, agora você está no céu, também conhecido como décimo andar. Fecha a janela, seca o cabelo com a toalha e se joga no sofá.
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