Gorjetas
A discussão sobre um dos hábitos mais arraigados - e controversos - dos consumidores americanos é colocada literalmente na mesa no filme Cães de Aluguel (1992), de Quentin Tarantino, quando um grupo de criminosos prestes a praticar um assalto debate se deve ou não pagar um extra para a garçonete que acaba de lhes servir um cafezinho.
Mr. Pink (Steve Buscemi) é quem instala a cizânia ao anunciar ao grupo que não acredita em gorjetas. Acha justo pagar a mais por um serviço que vai além do esperado, mas é contra a obrigação de remunerar um trabalho apenas mediano com uma porcentagem pré-determinada da conta. Além do mais, argumenta, não entende por que deveria dar gorjetas para um garçom que recebe salário mínimo e não para o sujeito que frita hambúrgueres no McDonald?s ganhando igualmente mal. Anos depois da estreia de Cães de Aluguel, o ator Steve Buscemi confirmou, em uma entrevista, o que boa parte do público já desconfiava: a fala "não acredito em gorjetas" refletia uma convicção íntima do próprio Tarantino.
Turistas brasileiros tendem a concordar com Mr. Pink e Tarantino. No Brasil, não temos o hábito de dar gorjetas para motoristas, cabeleireiros ou manicures. Nos restaurantes, os 10% do serviço em geral vêm incluídos na conta. Ninguém precisa ficar fazendo cálculos ou debatendo qual porcentagem é a mais adequada. Na lógica brasileira (e de outros países latinos), quem paga o salário do garçom é o patrão, não o cliente.
É na questão do salário mínimo para garçons e garçonetes que a coisa complica por aqui. A maioria dos estabelecimentos paga um "submínimo", autorizado por lei, para os empregados, levando em conta as gorjetas em potencial que completariam o salário. Negócio vantajoso para os donos de restaurantes, que acabam recebendo uma espécie de subsídio na folha de pagamentos. Para os empregados, nem sempre.
Mas não é apenas a polêmica em torno do submínimo que tem provocado discussões. Estabelecimentos como padarias e outros pequenos comércios oferecem agora a possibilidade de o cliente dar ou não gorjeta no caixa, via tablet, na hora de pagar uma água mineral ou um pacote de salgadinhos, por exemplo. Brasileiros, em geral, não hesitam em apertar o botão "não, obrigado", mas muitos americanos se sentem desconfortáveis com a ideia de parecerem mesquinhos diante do funcionário a sua frente - ou do cliente que vem logo atrás. Conclusão: com a nova tecnologia, a etiqueta das gorjetas, que já era um pouco confusa para estrangeiros, ficou complicada até mesmo para os nativos.
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