11 DE FEVEREIRO DE 2023
J.J. CAMARGO
MEDICINA SEM PRESSA
Encontre uma pessoa de que supostamente goste e descubra o desconforto de perceber que ela está com pressa. Se estiver com saudade da figura, será ainda pior. Porque toda a pressa tem uma mensagem explícita: "Eu tenho uma coisa mais importante para fazer, que não é estar aqui".
Não por acaso, a pressa é considerada uma das formas mais grosseiras de desconsideração. E não adianta alegar que a vida anda muito corrida, porque não é dessa aceleração que estamos tratando. Há uma clara diferença entre estar atarefado ou simplesmente enfarado.
A propósito, os prepotentes, habituados ao exercício crônico da prepotência, nem se preocupam mais em disfarçar a cara de desagrado diante de qualquer interrupção casual. Não importando que seja o encontro inesperado de um colega antigo que não nunca mais deu as caras, ou a visita de um propagandista que quer lhe atualizar numa forma de terapia que se sabe não funciona, ou, muito comum, de um familiar aflito que busca notícias da mãe internada na UTI.
Os médicos vivem diariamente, na relação com os pacientes, o dilema de manter uma agenda ensandecida e dar atenção a quem está assustado porque adoeceu. E ainda, na medida do possível, tranquilizar a quem foi arrastado pelo temor da perda, sempre presente no núcleo da família, confirmando que ninguém adoece sozinho.
Esta premência por todo afeto disponível se acentua na doença, e o paciente, que por coerência é a razão de ser da medicina, não pode ser tratado como um freguês qualquer que se confunda com o consumidor que frequenta uma loja de ferragens, ou o infeliz que dependa do atendimento em uma repartição que a burocracia lhe impôs, e as alternativas oferecidas são esperar e esperar. Até porque, no cotidiano, esses calvários são fugazes, e logo a vida volta ao normal, incluindo no máximo dois ou três xingões. Silenciosos, claro, como manda a boa educação.
A diferença é que, na doença, a tolerância reduz muito, a ansiedade está severamente agravada pelo medo do desconhecido, e o médico que faz mais do que medicina preventiva é desafiado diariamente a ser empático, muitas vezes atribulado por precárias condições de trabalho.
Aliás, essas mazelas do trabalho enfrentadas pelo médico, especialmente na saúde pública, são completamente ignoradas pelo paciente que, compreensivelmente, não as coloca entre suas prioridades. E até as posturas agressivas que alguns desses pacientes assumem, conscientemente ou não, temos que estar dispostos a relevar. Por uma razão simples: a ameaça da doença e o medo dela decorrente transfiguram as pessoas, neste processo de transferência de culpa que é uma característica inata do ser humano no limite do sofrimento.
Quando um grupo de formandos pediu-me que explicasse melhor o que era a novidade da "slow medicine", ocorreu-me reproduzir a sensação que experimentei ao receber no ambulatório dos convênios a dona Antônia, que se deslocava com a velocidade que lhe permitiam seus 90 anos. Quando perguntei o que podia fazer para ajudá-la, ela me disse: "Não sei como dizer, mas a primeira coisa que preciso lhe pedir é que o senhor não fique bravo comigo, porque eu não tenho doença nenhuma, mas eu gosto das coisas que o senhor escreve e queria tanto ter alguém que pudesse me ouvir".
E conversamos, muito. Não lembro nada daquele dia que devesse ter sido feito e não foi. Mas impossível esquecer a ternura da despedida. Havia ali a gratidão genuína de quem foi ouvida, sem pressa. Deem a esta medicina o nome que quiserem, mas ela é encantadoramente real. Pelo silêncio constrito dos meninos, acho que entenderam.
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